A sincronização do passado com um presente em movimento define este Os Filhos de Isadora como uma espécie de “anti-biopic”, uma expressão contra o tradicionalismo da narrativa ponto sobre ponto.

Para percebermos a veia central, o espirito estruturado deste objeto híbrido entre a ficção desencantada e destilada com os contornos performativos, devemos encarar um dos importantes capítulos na vida da dançarina e coreógrafa Isadora Duncan (1877 – 1927), considerada a percursora da dança moderna, que após a tragédia que a atingiu (um acidente de viação que vitimou os seus dois únicos filhos) tentou reunir os “cacos” e, não superando, mas incorporando a sua dor, criou assim a peça A Mãe (1923).

Esse canalizar da perda, o luto onipresente absorvido por um espirito morto é constantemente relembrado nesta nova obra de Damien Manivel, que segue o destino de quatro mulheres tocadas, cada uma à sua maneira, pelos gestos coreograficamente idealizados por Isadora 96 anos antes. Diríamos nós que em Os Filhos da Isadora há um requer da emoção que quebra a estética fria de tendências documentais. Esse sentimento é aliado na performance, no processo de criação e no ecletismo com que o filme se desenvolve para emanar o seu mais triunfante ato.

Deste lado chega-nos à memória um dos grandes filmes da década passada, Before We Go, de Jorge Leon: o poder do “bailado” que aufere um certo tipo de exorcismo reparador, físico e espiritual, para com os corpos decadentes. Porém, se um falava de velhice e decadência, o fim dos dias que se avizinha, em Os Filhos da Isadora é o cerne que determina a maternidade e que as conecta perante um ato apenas.

Em quatro mulheres, só uma capta realmente o fardo com que Isadora catalisou a construção do seu monumento. Para a experienciarmos, há que esperar. A belíssima compensação (convém realçar) chega-nos no breu da noite, sob as luzes sem pujança e na silhueta disforme para quem o tempo não foi amigável. Sim, o tempo não é cordial nem simpatizante com a nossa dor e, por isso mesmo, este desfecho transmite uma mágoa avassaladora.

Uma estrofe de um singelo poema embarcado na dança interior, sobre os sentimentos alicerçados e de como a arte não é propriedade de nenhuma vivalma; apenas é vivida e degustada pelo tempo.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
les-enfants-d-isadora-os-filhos-de-isadora-por-hugo-gomesEstreado no Festival de Locarno (vencedor do prémio de realização), eis um filme que busca sentimento nas imagens em movimento sem suplícios explícitos. Porque a vida é uma dança!