Pelos vistos, a ficção científica não tem que ser apenas uma panóplia de efeitos visuais servidos em prol da ação. Tal temática pode bem funcionar como uma “bandeja” para reflexões filosóficas ou até sociais. Dentro do cinema recente, Ex Machina é um dos exemplares que usufrui desse artifício em benefício do debate, neste caso o “velhinho” dilema da inteligência artificial, retirado das entranhas dos autores Isaac Asimov e Phillip K. Dick, os quais condicionam algo mais que somente uma feira de vaidades de tecnologias futuristas ou sofisticação robótica, preferindo antes o desenvolvimento de questões do foro humano, como a consciência e a ilusão como característica irreconhecível dos mesmos.

Alex Garland, produtor e argumentista de inúmeros filmes de Danny Boyle, constrói uma fita a partir dessa ideia, mas não limita a mesma, aprofundando as ramificações que tal sugestão poderá gerar. Curioso que num tempo em que a ficção científica parece ter adquirido espetacularidade – veja-se os casos dos recentes Transcendence e Autómata, que também questionavam as limitações da inteligência artificial, mas que cederam aos códigos do espalhafato cinematográfico – Ex Machina seja um protótipo discreto, astuto nos seus diálogos e concentrado em criar química entre as suas personagens.

Verdade é que a química existe entre humanos e máquinas, com Alicia Vikander (Um Caso Real) a mimetizar de forma convincente esse andróide perfeito, apenas apelidado de Ava (evidente alusão à bíblica Eva). Ava é uma obra ainda em fase experimental, submetida a um questionário-teste que desafia as suas limitações como máquina camaleónica, ou por outro lado, confirmar a possibilidade de ter consciência.

O registo narrativo sugerido por Alex Garland, descrito como outro ponto a seu favor, é um autêntico quid pro quo digno dos contos de Thomas Harris, onde os diálogos perceptíveis e agradavelmente bem construídos salientam essa cumplicidade entre as duas oposições de matéria (a carne e o sintético). Aliás, poderíamos aclamar que Ex Machina tem mais contornos de thriller psicológico do que propriamente do “what if” de ficção científica. Albergado por um caprichoso trio de atores, Garland coordena aqui uma das mais gratificantes obras do género presenteada nos últimos anos por Hollywood. Quanto às questões de inteligência artificial (cada vez mais em uso), talvez este seja dos melhores exemplares desde o subestimado Eu, Robô, de Alex Proyas.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
Jorge Pereira
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