Alessandro Comodin regressa em força a Locarno, local onde já foi feliz em 2011 com “L’estate de Giacomo” (tendo então vencido na categoria Cineastas do Presente), com “Gigi La Legge”, uma comédia refrescante em terreno dramático onde acompanhamos um polícia muito especial (interpretado pelo tio do realizador), que poderia fazer perfeitamente parte do universo de “P’tit Quinquin”, a mini-série de Bruno Dumont.

O maior triunfo de Comodin – editor habitual de João Nicolau, que aqui assume essa função (a dupla forma uma boa equipa nesta matéria) – talvez seja a forma como gere livremente tudo no seu filme: dos atores (não profissionais) ao texto (não havia guião), todo o filme é encenado com um timing cómico assinalável. E neste regresso ao local onde o realizador cresceu, uma pequena localidade da região de Veneto, o noroeste italiano de onde quis sair a todo o custo a que agora regressa para filmar, há momentos verdadeiramente hilariantes, como aquela abertura antológica em que o nosso protagonista discute com um vizinho no extremo do seu arbóreo jardim, um espaço verde que atrai ratos e cobras que incomodam todos à sua volta.

Uma parte da ação do filme é dedicada aos turnos de Gigi pela localidade, numa narrativa onde vamos acompanhando as suas peripécias, como o flirt que vai discretamente mantendo pelo rádio com uma colega que trabalha na central, ou aquela estranha desconfiança que vai desenvolvendo por um personagem…. apenas e só por instinto. Pelo meio, há ainda espaço para uma série de personagens que vão oferecendo alguma cor a um universo meio pitoresco, mas também para algum mistério devido ao aparecimento de um corpo de uma jovem, aparentemente suicida, que surge morta nos carris da ferrovia, talvez vítima de aborrecimento absoluto.

Construído em volta de breves segmentos unidos por uma atmosfera muito peculiar, um ambiente bem expressivo de um local onde o “non se fare niente” é seguido à letra, “Gigi la Legge” coloca em primeiro plano as enormes qualidades que Comodin já tinha demonstrado no passado, sempre em terreno com poucos meios de produção e orçamento limitados. Um contexto de produção que ainda assim não belisca o seu cinema: encontramos aqui uma criatividade em plena força, num filme em que um apurado sentido de ficção nunca deixa de transportar qualquer coisa de real, e que muitas vezes até chega a nós num registo documental.

Um dos melhores filmes do Festival de Locarno, até agora.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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