É sempre perigoso categorizar novas vagas numa cinematografia, mas torna-se óbvio – após os últimos anos – que em paisagens de “nuestros hermanos” há uma nova geração que nasceu e viveu em pequenos povoados rurais e que, agora com a chancela do cinema, falam um pouco de si e das suas experiências, olhando com atenção para as grandes transformações que o progresso e a fuga para as cidades trouxeram para esses locais, onde a desertificação populacional e as transformações económicas impuseram uma nova forma de vida.

Se pensarmos com clareza, esta é certamente uma busca identitária dos próprios, um olhar para as raízes de uma geração que para se munir das ferramentas educacionais que hoje tem para filmar teve de sair desses locais e visitar as cidades, regressando a “casa” através dos seus filmes. É assim que muito do cinema da Galiza se comporta atualmente, como demonstrou Oliver Laxe no seu “O Que Arde”, ou guinando para a Extremadura o que Ainhoa Rodríguez fez com o seu “Destello Bravio”, ou ainda Elena Lopes Riera e o seu recente “El Agua”, e ainda Carla Simón, que se estreou nas longas-metragens há uns anos atrás com o fabuloso “Verão 1993”. 

Além do constante olhar para o rural, temas como a infância e o recurso a não-atores para contar as histórias tornou-se uma marca do cinema de Simón, que desta vez volta a falar de grandes transformações através da história de uma família que há três gerações sobrevive do cultivo de pessegueiros na pequena cidade de Alcarràs (Catalunha, Espanha). Quando estes são notificados pelo dono das terras que terão de as abandonar brevemente, pois para o local está destinado toda uma nova plataforma fotovoltaica moderna, a sua vida pacata, mas de extremo trabalho, vê-se forçosamente alterada, provocando uma cisão de desejos para o futuro no grupo e naquilo que vão fazer a seguir.

O naturalismo percorre todo este “Alcarràs”, não só acentuado pela tal presença dos não-atores, mas pela câmara de Simón e a fotografia de Daniela Cajías, que seguem um guião de vinhetas bem solidificadas num objeto compacto, sem nunca cair no mero livro de sketches com memórias. E a precisão da captura da tensão familiar num crescendo contínuo, em oposição à ligeireza como as crianças observam esta mudança radical para os adultos, coloca em cena um interessante contraste, que Simón revela manejar com a maturidade que já tinha demonstrado em “Verão 1993”.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
alcarras-fim-de-um-cicloA precisão da captura da tensão familiar num crescendo contínuo, em oposição à ligeireza como as crianças observam esta mudança radical para os adultos, coloca em cena um interessante contraste, que Simón revela manejar com a maturidade que já tinha demonstrado em “Verão 1993”