Terça-feira, 30 Abril

Karim Leklou, o homem que todos querem matar em “Vincent Tem de Morrer”

"Vincent Tem de Morrer" estreia a 11 de abril

Um dos objetos mais curiosos do Festival de Cannes, em 2023, foi “Vincent doit mourir” (Vincent Tem de Morrer), uma tragicomédia com contornos e códigos dos thrillers e cinema de horror, exibido na Semana da Crítica.

Assinado por Stéphan Castang, na sua estreia nas longas-metragens, no filme seguimos Vincent (Karim Leklou), alguém tão comum, banal e invisível na sociedade que, por mais que pensemos, não entendemos porque todos o querem matar. Incorporado por um Karim Leklou nos pícaros da excelência, num misto de figura bruta que transparece igualmente fragilidade, “Vincent Tem de Morrer” foi uma das boas surpresas de 2023 na sua forma absurda de falar da sociedade atual.

Foi em Cannes que nos sentámos à mesa com o ator e falamos um pouco do filme e da sua carreira.

No ano passado esteve aqui em Cannes com o “Sons of Ramses”. Depois, em Veneza, marcou presença com o Pour La France”. E agora, novamente em Cannes, apresenta o “Vincent Tem de Morrer”.  São três filmes bem diferentes. Como escolhe os projetos onde participa e o que levou a atuar neste filme?

Senti que este seria um filme extremamente potente, que fala da violência da sociedade através dos corpos, ao invés de seguir de forma clássica e panfletária a abordagem a questões sociais. E existe nele uma história de amor extremamente bonita, onde questiono onde se passa, quais as complexidades da época, como é viver em casal num mundo violento. Isso aproxima o filme daquilo que conhecemos das comédias românticas, mas próximo do real.

A visão do Stephane Castang e a oportunidade de trabalhar com uma atriz que admiro muito, a Vimala Pons, tiveram também uma grande importância na minha decisão.

Gosto muito da originalidade desta proposta, que faz dele um verdadeiro filme de género francês e europeu, com complexidades que o afastam da linguagem dos filmes de género norte-americanos. E foi um filme onde me diverti, quer nas filmagens, quer depois a vê-lo. E que me deu orgulho de ser francófono, pois, para mim, os reis deste género de obras são os ingleses, que exploram mais a comédia das situações e não amontoam gags atrás de gags.

Os seus filmes, seja em que género forem, têm sempre uma dimensão social e até política. É algo que o atrai?

Gosto muito dos filmes que contam algo sobre a sua época e a atmosfera que se vive nela. E prefiro sempre aqueles que nos permitem expor o íntimo, mas também o social. Amo ver o contexto de uma sociedade através de um filme. Não podemos ignorar a sociedade que vivemos. Temos a forma de um filme, mas também falamos do mundo em que vivemos, da sociedade. Ao fazer isso tem uma dimensão extra, mas diverte. E é importante frisar que um filme divertido não tem de ser vulgar. 

As redes sociais têm um papel muito interessante no filme. Como lida a personagem com elas e o próprio Karim no seu dia a dia?

Vemos que é uma personagem muito integrada no digital e virtual. Hoje em dia somos muito assim. Especialmente depois da pandemia, cada vez mais interagimos por estes meios. Creio que existe uma desumanização nesse processo, mesmo que exista uma sensação de maior proximidade entre pessoas, por causa das mensagens e conversas frequentes através desses meios. Toda a forma como o Vincent interage com o mundo diz muito sobre os nossos tempos. E é a partir do absurdo do real que vemos o absurdo do filme. Gosto imenso disso.

Quanto a mim, uso principalmente as redes sociais para falar do meu trabalho, dos meus fimes, o resto não me interessa muito. Não falo da minha vida pessoal.

Mas essas redes sociais também vieram mudar o próprio cinema já que muitos dos que atuam em filmes hoje em dia já são escolhidos porque têm muitos seguidores e são populares, e não porque são bons atores. O que acha disso?

É uma estupidez que reflete os tempos que vivemos. Posso até tentar compreender no seio da indústria, embora ache que não existe bem uma coerência económica em relação a isso, mas acima de tudo entristece-me. É uma daquelas coisas derivativas sem muito nexo, como o que aconteceu com os argumentistas, que tiveram de entrar em greve (justamente) para lutar contra a invasão da sua profissão pela inteligência artificial, sem contrapartidas para eles.

E o cinema de género é algo que chama por si como espectador?

Sim. Sempre que um filme tem um conteúdo que me atrai, não interessa o género. Por exemplo, adoro os irmãos Coen e divirto-me sempre com eles. Nos seus filmes, eles falam sempre da sociedade enquanto contam as suas histórias.

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