Sexta-feira, 3 Maio

Riccardo Scamarcio, Caravaggio e a “cultura do cancelamento”

“L'ombra di Caravaggio” (A Sombra de Caravaggio) chega aos cinemas a 2 de maio

Com antestreia na Festa do Cinema Italiano, ainda antes de chegar aos cinemas comerciais já a partir do dia 2 de maio, “L’ombra di Caravaggio” (A Sombra de Caravaggio) faz uma leitura sobre a vida do famoso pintor Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, e os desafios e pressões que encontrou para explanar o seu talento nas telas. Sob o peso de uma sentença de morte e uma vigilância apertada por parte da Igreja, que considerava a sua obra problemática, particularmente porque usava prostitutas para modelos nas suas pinturas da Virgem Maria, bem como de pobres e gente da classe trabalhadora como inspiração para os discípulos.

Ao assumir o papel de Caravaggio encontramos o ator italiano Riccardo Scamarcio, que encontra em Louis Garrel a sua “sombra” persecutória.

Foi em Lisboa que falámos com o ator sobre este papel, tendo o próprio confessado que algo que o interessou bastante na produção foi a temática da “cultura do cancelamento”, que ganhou novo alento na atualidade. Aqui ficam as suas palavras.

O que o levou a participar neste “A Sombra de Caravaggio”?

Já tinha trabalhado duas vezes com o Michele Placido antes de fazer esta “Sombra de Caravaggio”. Fizemos o “Romanzo Criminale” há muitos anos, quando era jovem. E depois colaboramos novamente no “Il grande sogno”. Um dia ele ligou-me e disse que queria fazer este filme sobre o Caravaggio, especialmente neste momento, em que a cultura do cancelamento está muito ativa. 

O tema da cultura do cancelamento foi assim um fator primordial?

A “cultura do cancelamento” é realmente algo que não gostamos. É algo perigoso que pode fazer recomeçar todo um novo ciclo de censura. Entendi perfeitamente a sua declaração política ao fazer este filme, que mostra – há muitos anos – um homem incrivelmente talentoso, um artista, foi completamente esmagado pelos que detinham o poder na sua época, a Igreja. Eram tempos sem cinema, televisão, fotografia e rádio. Por tal, a pintura era um meio poderoso dos media. Claro que quando a Igreja foi confrontada com o talento deste homem e a força da sua pintura, houve muitas ressalvas. O Caravaggio usava prostitutas e pobres para assumirem os papéis da Virgem Maria, Santo Agostinho, São Pedro etc, e isso era problemático. Além disso, as suas telas eram negras. Antes disso, tudo era branco, azul. Os santos voavam por entre o céu azul. Tudo era paradisíaco. No lado oposto, tudo em Caravaggio era trágico, dramático, como a Bíblia é. A Bíblia é, aliás, o livro mais violento que temos. A verdade é que a Igreja matou-o: fisicam e artisticamente. Só em 1930 os seus quadros ganharam nova luz. Durante mais de 300 anos, ele não existiu. 

E como se preparou para o papel?

Preparei-me para o papel de Caravaggio a pensar no Elvis Presley. Não vemos muito a pintura do Caravaggio no filme, mas antes a sua vida privada e dinâmica. Vi este homem como uma rockstar, numa combinação de talento e anarquia, algo que o poder odeia. E quando digo isto, falo também do poder contemporâneo. Sim, eles querem gente talentosa, mas querem que digas o que eles querem que digas. Claro que posso dizer o que quiser hoje em dia, mas se eu disser tudo o que realmente penso, certamente serei cancelado. É uma espécie de fascismo tecnocrata, o momento que vivemos. E este poder, estas forças, não te cancelam diretamente, mas usam outras pessoas para o fazer. Para ser sincero, deixei de efetivamente dizer tudo o que penso sobre política, a guerra, etc. E não digo tudo também porque não traz nenhuma mais valia. Frequentemente sou mal interpretado.

E de um momento para o outro a sua carreira pode acabar….

Sim, mas não digo as coisas, não por medo de ver a minha carreira ir por água abaixo. Como sabe, trabalho em todo o lado. Itália, França, EUA, Inglaterra, etc. Hoje em dia tudo tem a ver com as aparências e existe uma superficialidade generalizada. Para eu dizer algo com grande complexidade, do outro lado tem de estar alguém com a mente aberta para me ouvir. A velocidade da comunicação hoje em dia é demasiado rápida e do outro lado, talvez me ouçam durante cinco minutos, mas não mais que isso. Por isso, as conversas e discussões hoje em dia acabam por ser pouco complexas e principalmente superficiais. Para te expressares e analisares as coisas, precisas de mais tempo, demais palavras, de mais análise. Essa inabilidade de não conseguir expressar-me com suficiente complexidade faz-me preferir não falar sobre as coisas. E assim, não digo tudo o que penso. Só o faço junto dos meus amigos, sem instrumentos tecnológicos por perto, que podem captar o meu discurso e transformar tudo numa declaração política. 

Esta é a minha nova forma de ser para evitar mal entendidos. Mas sou um revolucionário. Não desisto e continuarei a lutar pelas coisas que defendo.

Notícias