Parece inevitável chamar Apichatpong Weerasethakul, Lav Diaz, Pedro Costa, Glauber Rocha e Eduardo Coutinho para falar do cinema de João Paulo Miranda Maria, cineasta brasileiro que depois de um conjunto de curtas bem sucedidas (onde destacamos “A moça que dançou com o Diabo“), num registo que define como “Cinema Caipira”, surge com a sua primeira longa-metragem, “Casa de Antiguidades”, um objeto visualmente estonteante que o traz para a frente de combate dos cineastas brasileiros politicamente engajados.

E nessa “Casa de Antiguidades“, de Memórias ou do Brasil, cabe toda a sua história, não apenas depois de 1500, após a chegada dos portugueses, mas antes disso, das suas raízes e naturalmente das ligações à cultura africana, transferidas para aquelas paragens através da escravatura. O colonialismo é, aliás, um dos itens vincados e marcados a ferro e fogo nesta “Casa de Antiguidades“, um elemento gerador de desequilíbrios que funciona como base para um sistema racista que ainda perdura e que o realizador confronta – tal como o especismo – através de uma alegoria tão críptica como hipnótica e absorvente.

E quem também faz parte desta casa das memórias brasileiras é o protagonista desta história, Cristovam, interpretado por Antônio Pitanga, um nome para sempre associado ao Cinema Novo Brasileiro e que aqui com 81 anos é posto à prova no papel de um homem negro do interior de Goiás que segue rumo a um Sul ultraconservador, mais concretamente para uma comunidade de austríacos no sul do Brasil em busca de melhores condições de vida.

Vítima de racismo, sozinho e isolado, Cristovam descobre numa casa de antiguidades as memórias do tempo e uma ligação orgânica à natureza que se foi perdendo – ao longo dos tempos – pela imposição da religião dos homens, nomeadamente os brancos de origem europeia que ainda hoje dominam os meios de produção e impõem uma forte separação de classes. Mas João Paulo Miranda vai ainda mais longe nas críticas, não deixando também que as marcas culturais coloniais, puritanas e misóginasvinguem na personagem de Cristovam, criticando-o abertamente quando este assume uma postura discriminatória, redutora e violenta para o sexo feminino na forma de Ana Flavia Cavalcanti.

No fundo, “Casa de Antiguidades” é uma janela aberta para a história do Brasil, um objeto pleno de realismo mágico onde passado e presente se cruzam, como que dizendo que a história se repete e os erros também porque são sempre os mesmos a ditar o passo do mundo. 

Pontuação Geral
Jorge Pereira
casa-de-antiguidades-uma-janela-para-o-brasil“Casa de Antiguidades" é uma janela aberta para a história do Brasil