É fora de campo que encontramos as respostas à existência deste peculiar e bem conseguido estudo de uma tradição num povoado de Valência que reflete o comportamento heteronormativo e de uma sociedade patriarcal e machista que ainda predomina, não só numa Espanha fustigada por casos como “La Manada”, mas por todo o Mundo.

Seguindo a via dos seus anteriores trabalhos como Pueblo e Las vísceras, Elena López Riera – num registo aparentemente banal de documentário, mas riquíssimo de significado – acompanha um ritual que vai além da moral de uma competição columbófila, na qual em vez de estar em jogo a velocidade dos pombos está a capacidade de sedução dos machos perante as fémeas. Assim, e enquanto a realizadora – num voz off essencial – nos vai recitando as regras deste bizarro concurso, assistimos a pombos coloridos com a marca do seu dono, a serem soltos, e a terem de conquistar – com muita competição à mistura – uma única pomba – também ela “educada” desde cedo ao seu desígnio no concurso.

É um trabalho simples, mas glorioso na sua execução (em especial a montagem) e naquilo que quer dizer sobre o Mundo e como o comportamento humano está vinculado, agarrado e entranhado em sistemas tradicionais de machos sedutores e fémeas com propósito definido à nascença. E na citação das regras que a realizadora faz, há algumas inesquecíveis que refletem a intolerância evidente a “desvios” sexuais, como a número 63, que diz que se um pombo macho for visto a galantear outro macho e não a tentar seduzir a pomba, será desclassificado.

Riera filma durante um único dia e condensa todo o seu trabalho em pouco mais de 20 minutos, obrigando no final o espectador a constatar que aquilo que viu no filme reflete todo um comportamento da sociedade, que apoiando-se nas mais amplas variantes (a suposta natureza das coisas, a religião, etc, tudo transformado em tradição) continua a vender a mesma ideia machista em todo o seu esplendor. Os homens são “os que desejam”.

Brilhante..