O espírito de “Stand by Me” paira no ar de todo este “Érase una vez en Euskadi”, a saga de quatro miúdos que vivem no País Basco, em 1985, e que, tal como no filme de Rob Reiner, vão forçosamente ter de lidar com o processo de descoberta do enigmático e perigoso mundo que os rodeia.

Sente-se orgânica a representação dos anos 80 que Manu Gómez – inspirado na sua infância – incute por aqui. Da música aos penteados, passando por roupas e decoração, nada parece estilizado nem forçosamente estereotipado ou caricatural neste drama sobre descobertas, perdas, rejeições e recomeços que tem no centro da sua história Marcos e os seus três amigos, José Antonio, Paquito e Toni. todos eles filhos de migrantes de regiões espanholas que foram em alguma fase das suas vidas para a região Basca.

Todos eles aguardam ansiosamente as férias de verão, mas os maiores problemas desse período vão, direta ou indiretamente, chocar com os seus desejos de diversão. Se são inevitáveis os risos quando os miúdos agem como miúdos e “contratam” alguém para alugar um filme pornográfico, ou mostram interesse amoroso por raparigas bem mais velhas, como a cabeleireira cubana que delícia um deles, as lágrimas também escorrem quando algumas das marcas mais temíveis dos anos 80 chegam para abalroar a sua alegria. Da toxicodependência à Sida, o abandono parental, passando – inevitavelmente – pela instabilidade política na região, marcada por ações da ETA, os quatro jovens terão de se confrontar com essas duras realidades por entre jogos de bola ou pedaladas naquilo que se chama o labirinto da vida no caminho para a idade adulta.

E tal como a direção artística, o guarda-roupa ou as faixas sonoras, todo o trabalho e arranjo visual – fotografia e montagem – aproxima-se mais do realismo do que de uma viagem ao passado carregada de nostalgia e empolamentos despropositados. Humor e drama caminham assim de mão dada num filme onde o fervor dos jovens atores, de mãos dadas com os adultos que os acompanham, traça-nos um retrato que viaja do festivo ao melancólico em escassos instantes, tal qual a vida nos presenteia com alegrias e dissabores desde tenra idade.

E comparando-o com outro filme que também aborda a infância e passou por San Sebastián, “Fue la mano de Dios”, sente-se em “Érase una vez en Euskadi” um filme por inteiro e natural (até o uso do Castelhano em vez do Euskera é normal visto se tratarem de migrantes), ao contrário do filme de Paolo Sorrentino, que se assume como uma coleção de sketches colados a cuspo e invadidos por retratos burlescos que lhe retiram qualquer naturalidade e força dramática.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
era-uma-vez-no-pais-bascoSaga de quatro miúdos que vivem no País Basco, em 1985, e que, vão forçosamente ter de lidar com o processo de descoberta do enigmático e perigoso mundo que os rodeia.