Derivativo, copião, ou não, Paolo Sorrentino sabe filmar e não é preciso sequer recorrer a qualquer uma das suas longas-metragens (em especial “A Grande Beleza”, que continua no topo da sua lista) para saber isso. Bastou ver – dentro de todo o seu privilégio burguês de viver numa mansão romana – a sua curta-metragem ácida e humorística feita na coletânea “Feito em Casa” para a Netflix, na qual imaginava, através de dois bonecos, um encontro do Papa Francisco e de Isabel II de Inglaterra.

E depois de retratar homens feitos, uns no auge, outros já na fase descendente das suas vidas (“A Grande Beleza“, “A Juventude“), Sorrentino encara agora a sua própria infância em Nápoles, marcada por dois elementos-chave: a chegada de Maradona ao clube de futebol da cidade; e a morte dos pais por intoxicação num acidente com monóxido de carbono numa casa de férias.

Os dois elementos até estão ligados, pois o  jovem Fabietto (Filippo Scotti), que age como o nosso protagonista, não morreu porque, como o Nápoles jogava em casa, não saiu da cidade para poder ver Maradona, e deixou os pais irem sozinhos. “Foi a mão de Deus que te salvou”, diz alguém durante o filme, termo que vem diretamente do golo de Maradona contra Inglaterra em 1986 e que Sorrentino importou para o título do seu filme.

Foi importante fazer aquela declaração inicial para perceber que o grande problema de Sorrentino neste seu “A Mão de Deus” não é a falta de técnica ou estilo, mas sim a construção de um objeto carregado de nostalgia e coração que nunca se sente compacto por não ter uma espinha dorsal política, social e até humana derivada de privilégio. Ao invés, temos um mero acumular de sketches de humor e também drama que servem apenas como exercício de memória seletivo para mais uma vez o cineasta entregar as habituais caricaturas fellinianas. Seja a “baronesa” com que perdeu a virgindade, seja a tia sensual que sonhava fornicar, sejam os momentos em que os pais, especialmente a mãe, prega partidas ao melhor jeito “Scherzi a parte”, Sorrentino vai mostrando pedaços da sua juventude na forma de um diário que nunca se sente firme, mas uma coleção de estórias e fait divers soltos, nem mesmo quando começa a abordar a génese do seu interesse pelo cinema (fala-se constantemente de Fellini e Zefirelli) e a importância de Alberto Capuano nesse processo. E este é também, talvez, o seu filme mais narrativo, mais dependente do guião, onde o arranjo visual e sonoro é trivial.

Apesar disso, certo é que “A Mão de Deus” é capaz de gerar múltiplas sensações e estados de espírito durante a sua duração, passando dos risos às lágrimas com facilidade, não esquecendo o tom “coming of age” e também um lado de erotismo, com o jovem Fabietto parecer frequentemente (pelos olhares babados) estar num filme daqueles “gelado de Limão”. Mas essencialmente e como um todo, “A Mão de Deus” é apenas conceptualmente interessante, aquém dos anteriores trabalhos do cineasta, ou seja: longe do delírio visual, repleto de devaneios criativos, que Sorrentino costuma entregar ao espectador.

Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
José Raposo
Guilherme F. Alcobia
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