Percebe-se a intenção de observação sarcástica e satírica que Bruno Dumont faz à fama, à cultura das celebridades, ao jornalismo e às redes sociais neste “France”, um dos quatro filmes no Festival de Cannes a ser protagonizado por Léa Seydoux. 

Porém, a verdade é que o cineasta gaulês parece estender todas as cenas sempre mais um pouco do que devia, transformando este exercício de estilo num objeto de formas que sufocam o conteúdo, enfraquecendo globalmente um filme que se torna insuportavelmente hiperbólico e com uma mensagem perdida e entregue ao desinteresse na sua forma egocêntrica de existir.

Uma “aparição” de Emmanuel Macron logo no início do filme serve de anestesia para o que vem a seguir. Numa conferência de imprensa, um Macron sorridente e gozão é logo confrontado pela jornalista France de Meurs (Seydoux), que começa aqui o seu espetáculo pleno de cinismo, falsidade e angústia que a vai acompanhar durante toda a duração do filme, particularmente depois de ela atropelar um estafeta/distribuidor de produtos e ver a sua vida ganhar as páginas do jornal que tanto gosta de preencher com as suas histórias falsas e remendadas em teatros de guerra.

Como é seu costume, Dumont cria um grande naipe de secundários expressivos e corporalmente marcantes e distintos, e entre silêncios, caretas e palavras traça um retrato de uma sociedade e de um jornalismo perdido nas aparências, uma comunicação social que só sabe entregar entretenimento e se esquece da tarefa de informar.

Não é de todo um filme mau, pois a substância da crítica social e pessoal às Frances deste mundo está bem explícita na película, mas olhando para o passado recente de Dumont, sente-se que o exercício fica aquém do desejado, mesmo que algumas interpretações forçosamente abomináveis (a do interesse amoroso de France, Charles Castro, é inenarrável) transmitam que todos em cena são maus atores numa peça que é a vida na sua forma mais plástica e superficial.

Tudo aqui vai bem além da farsa, com a sociedade do espetáculo e da imagem a servir-se como caricatura extrema de si mesma.

(Crítica originalmente escrita em julho de 2021)

Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
Guilherme F. Alcobia
france-a-sociedade-do-espetaculo-caricatura-se-a-si-mesmaNum exercício de estilo que sufoca o conteúdo, o filme torna-se insuportavelmente hiperbólico e com uma mensagem perdida entregue ao desinteresse.