Quarta-feira, 24 Abril

Sessões na Cinemateca – Escolhas de 25 a 30 de outubro

Para fechar a programação do mês de outubro, a Cinemateca está a coorganizar com o festival Doclisboa duas extensas retrospetivas das obras de duas fundamentais realizadoras do cinema europeu.

Na semana passada começámos pela obra da alemã Ulrike Ottinger, numa incursão pelo seu trabalho que abarca desde o primeiro filme até ao título mais recente, e que conta com a realizadora em Lisboa para apresentar várias das sessões do programa ao público português. Nascida em 1942, Ottinger fez parte do renascer do cinema de autor alemão nos anos 1970, mas, contrariamente a outros companheiros de geração, que foram integrados no sistema de distribuição do cinema de autor e muitas vezes passaram ao cinema mais abertamente comercial, a cineasta permaneceu fiel à sua atitude inicial e jamais quis passar para o outro lado. Tendo assinado uma obra vasta e variada, dividida entre a ficção pouco ortodoxa e o documentário, Ottinger nunca quis fazer “cinema de arte” mas sim arte através do cinema, em filmes que são festas dos sentidos, encenadas com magnífica sensibilidade e jogos de ideias.

A segunda retrospetiva é dedicada a Cecilia Mangini (1927-2021), que foi a primeira mulher a afirmar-se no terreno até então exclusivamente masculino do documentário italiano. Mangini foi uma extraordinária intérprete da tendência do movimento transnacional que, nos anos 1960, levou este género cinematográfico a testemunhar com renovada atenção (e militância) sobre as principais questões trazidas pelas convulsões sociais e políticas dessa década. Particularmente atenta à rápida transformação de uma Itália tradicionalista pelo “milagre económico”, Mangini viu sempre o documentário como um instrumento transformador do nosso conhecimento do mundo. A sua filmografia é repleta de curtas-metragens, colaborações com outros cineastas e foi frequentemente realizada no contexto da produção televisiva italiana.

Estas são as nossas sugestões para as sessões a decorrer na semana de 25 a 30 de outubro:

Madame X – Eine absolute Herrscherin (Madame X – Uma Tirana Absoluta, 1977) – Segunda-feira, 25 de outubro, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro. Convocadas pela misteriosa Madame X, várias mulheres, entre as quais Yvonne Rainer, juntam-se numa viagem para o desconhecido a bordo do seu navio. Mas ela revela-se uma tirana. A provocadora longa-metragem de estreia de Ottinger, frequentemente descrita como “poema lésbico punk”, tornou-se num filme chave dos debates feministas dos anos 1970 e gerou controvérsia. “Acho extraordinário que o despertar, que se tornou num gesto colectivo no movimento feminista, se desenrole nos mesmos padrões hierárquicos e patriarcais. Queria mostrar esta contradição como a nossa realidade”, explica Ottinger.

Due Scatole Dimenticate (2020) – Segunda-feira, 25 de outubro, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro. Duas caixas de sapatos cheias de negativos fotográficos ficaram esquecidas num velho guarda-roupa por mais de cinquenta anos. Entre 1964-65, Cecilia Mangini e Lino Del Fra estiveram no Norte do Vietname, durante a guerra com os EUA, em pesquisa para um documentário. Esse filme nunca foi feito, mas agora a luta e a resistência de um povo que procurava unidade e independência é revivida por Mangini através de fotografias, escritos, memórias e os seus lapsos.

Dorian Gray im Spiegel der Boulevardpresse (Dorian Gray no Espelho da Imprensa Tablóide, 1984) – Terça-feira, 26 de outubro, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. A responsável de um império mediático (Delphine Seyrig) decide lucrar com a história da ascensão e queda de uma nova celebridade: Dorian Gray (Veruschka von Lehndorff). A última parte da trilogia de Berlim é o apogeu da encenação teatral de Ottinger e talvez a sua narrativa mais terna. “O narciso, o dândi, especialmente o dândi tem o seu lado feminino. Portanto, na arte – e estou a pensar aqui em Proust, Oscar Wilde, Gustave Moreau, Reynaldo Hahn, que são todos citados indiretamente no meu filme –, foram dos primeiros artistas masculinos a manifestarem qualidades estéticas femininas” (Ottinger).

La Canta delle Marane (1962) & Ignoti alla Città (1958) & Comizi d’Amore ‘80 – Parte 1 (1982) – Quarta-feira, 27 de outubro, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. La Canta delle Marane e Ignoti alla Città (primeiro filme de Mangini) utilizam as palavras de Pier Paolo Pasolini como guias para a explosão de energia e revolta da juventude que habita as periferias de Roma. Vinte anos depois de Comizi d’Amore de Pasolini, Cecilia Mangini e Lino del Fra voltam a investigar o que os italianos pensam sobre sexo e género. Este primeiro episódio é sobre a relação dos jovens com estes temas (os dois restantes episódios são exibidos nas sessões de dia 28 e 29 de outubro).

Paris Calligrammes (2020) – Sábado, 30 de outubro, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro. Numa torrente de imagens e sons de arquivo acompanhados de excertos das suas próprias obras e filmes, Ottinger ressuscita tempos passados em Saint-Germain‑des-Prés e Quartier Latin com os seus cafés literários e clubes de jazz e revisita encontros com exilados judeus, a vida com a sua comunidade artística, a visão do mundo dos etnólogos e filósofos parisienses, as convulsões políticas da Guerra da Argélia e do maio de 1968 e o legado da época colonial. “Segui as pisadas das minhas heroínas e dos meus heróis”, conta Ottinger. “Onde quer que os tenha encontrado, é aí que surgirão neste filme.”

Notícias