Segunda-feira, 6 Maio

Sessões na Cinemateca – Escolhas de 18 a 23 de outubro

Em colaboração com o Museu da Cidade, a Universidade Nova de Lisboa e o Instituto de Filosofia da Nova, decorre esta semana na Cinemateca o ciclo “Filmar a Catástrofe”, composto por cinco sessões que apresentam diferentes perspetivas através das quais o olhar cinematográfico abordou a catástrofe. Longe de retratar exaustivamente como a catástrofe, natural ou humana, se tornou objeto de análise e de representação na história do cinema, os filmes escolhidos oferecem ao público alguns dos exemplos mais significativos desta cinematografia. E permitem igualmente mostrar como a atração à catástrofe está presente no cinema desde o início, acompanhando o seu desenvolvimento até aos nossos dias.

Em simultâneo, a Cinemateca co-organiza este ano com o festival Doclisboa duas extensas retrospetivas das obras de duas fundamentais realizadoras do cinema europeu. Começamos pela obra da alemã Ulrike Ottinger, numa incursão pelo seu trabalho que abarca desde o primeiro filme até ao título mais recente, e que conta com Ottinger em Lisboa para apresentar várias das sessões do programa ao público português. Nascida em 1942, a cineasta fez parte do renascer do cinema de autor alemão nos anos 70, mas, contrariamente a outros companheiros de geração, que foram integrados no sistema de distribuição do cinema de autor e muitas vezes passaram ao cinema mais abertamente comercial, Ottinger permaneceu fiel à sua atitude inicial e jamais quis passar para o outro lado. Tendo assinado uma obra vasta e variada, dividida entre a ficção pouco ortodoxa e o documentário, a cineasta nunca quis fazer “cinema de arte” mas sim arte através do cinema, em filmes que são festas dos sentidos, encenadas com magnífica sensibilidade e jogos das ideias.

Estas são as nossas sugestões para as sessões a decorrer na semana de 18 a 23 de outubro:

La Soufrière (1977) & The War Game (1965) – Segunda-feira, 18 de outubro, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro, com apresentação por Maria Filomena Molder, Gianfranco Ferraro e Nélio Conceição. Em 1976, Werner Herzog desloca-se com a sua equipa a Guadalupe para filmar o vulcão La Soufrière, que ameaça entrar em erupção. Ao saber que, depois de todos terem sido evacuados, um homem se havia recusado a partir, decidiu ir até lá documentar a sua história. O filme que daí resultou, que tem como subtítulo “À Espera de uma Catástrofe Inevitável”, regista assim um cenário apocalíptico e desértico, que se aproxima da ficção científica. Como em muitos outros dos seus filmes, sobressai um lugar e personagens em situações extremas, quando a natureza parece incontrolável face a uma cidade abandonada e entregue ao seu destino. Em The War Game, telefilme realizado por Peter Watkins para a BBC, tratava-se de alertar para a ameaça devastadora da guerra nuclear e dos seus efeitos, mas também para a hipocrisia e desonestidade subjacentes aos discursos oficiais sobre o tema. Tratando o assunto como um “documentário ficcionado”, como se um ataque nuclear tivesse mesmo sacudido a Grã-Bretanha, o resultado saiu tão perturbante que a BBC, considerando o filme demasiado “assustador” para ser servido ao conforto doméstico dos telespectadores, renunciou à sua exibição televisiva, lançando o filme para o circuito das salas. Com um sucesso que chegou aos EUA, onde o filme ganhou um Oscar para melhor documentário.

Paris Qui Dort (1923) – Terça-feira, 19 de outubro, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro, com acompanhamento ao pano por Filipe Raposo e apresentação por Maria Filomena Molder. O primeiro filme de René Clair é uma pequena fábula de ficção científica sobre um raio que adormece toda a cidade de Paris, menos aqueles que por coincidência se encontravam na Torre Eiffel e que escaparam aos seus efeitos. Ao descerem, terão a surpresa de ver a cidade adormecida. Filmado nas ruas de Paris, no tom leve e irónico que caracteriza os melhores filmes de Clair, o filme anuncia a veia de Entr’acte (1924), uma curta-metragem dadaísta, embora seja menos próximo da vanguarda do que esse filme.

Pisma Myortvogo Cheloveka (As Cartas de um Homem Morto, 1986) – Quarta-feira, 20 de outubro, 21h30, Sala M. Félix Ribeiro, com apresentação por Gianfranco Ferraro. Este é um dos mais importantes filmes de Kostantin Lopushamskiy, cineasta que assinou recentemente o seu último filme. Centra-se na Guerra Fria e num erro informático segundo o qual a União Soviética lança o seu arsenal nuclear sobre os países da NATO, que retaliam automaticamente, provocando o apocalipse nuclear. Lopushamskiy filma a história de alguns sobreviventes desse cenário de destruição total: humanos que vegetam em porões húmidos sob o inverno devastador. O protagonista (Rolan Bykov), desapontado com a ciência, escreve cartas ao seu filho esperando um futuro melhor.

Bildnis einer Trinkerin (Bilhete sem Regresso, 1979) – Quinta-feira, 21 de outubro, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro, com a presença de Ulrike Ottinger. Uma mulher que nunca é nomeada chega a Berlim com um único objetivo em mente: beber até à morte. Três comentadores brechtianos observam-na atentamente: Senso Comum, Estatísticas Exatas e Questão Social. Este filme notável e belo é a primeira parte da trilogia de Berlim de Ottinger e foi um contributo feminista radical para o cânone do Novo Cinema Alemão. Ao mesmo tempo, é uma cápsula do tempo da Berlim dos anos 1970, um registo documental da sua cultura alternativa (veja-se a interpretação de Nina Hagen) e um passeio turístico pelos locais boémios mais importantes da cidade.

Johanna d‘Arc of Mongolia (1989) – Sexta-feira, 22 de outubro, 15h30, Sala M. Félix Ribeiro, com a presença de Ulrike Ottinger. Um grupo de europeus a viajar no transiberiano é feito prisioneiro por uma tribo mongol. A antropóloga Lady Windermere (Delphine Seyrig no seu último papel) tenta explicar o que se passa aos seus companheiros, mas sem grande sucesso. O filme é fundamental na filmografia de Ottinger: começa como uma ficção espetacular, mas transforma-se em documentário tal como a sua obra como um todo. O filme divide a sua filmografia em duas partes ao ligar os dois universos – não-ficção etnográfica e teatro exagerado – e desafia o eurocentrismo arrogante.

Freak Orlando (1981) – Sábado, 23 de outubro, 19h00, Sala M. Félix Ribeiro, com a presença de Ulrike Ottinger. Ottinger inspira-se em Freaks (1932), de Tod Browning, e Orlando, de Virginia Woolf, para nos convidar para o seu próprio “pequeno teatro do mundo” e relatar a história humana em cinco capítulos. Esta interpretação artaudiana, um carnaval circense e um tour de force de coreografia cinematográfica, protagonizada por Magdalena Montezuma, Delphine Seyrig e Jackie Raynal, é um marco na história da vanguarda europeia. Conceções de beleza e fealdade misturam-se para criar um mundo utópico em que há lugar para todos apesar do sofrimento e da injustiça.

Nota: Ao longo desta semana voltarão a ser exibidos três filmes recomendados recentemente pelo C7nema: La Garçonne (1957), King & Country (1964), e Olivia (1950).

Notícias