Terça-feira, 19 Março

«The Sisters Brothers» (Os Irmãos Sisters) por Jorge Pereira

 

Dramaticamente, o western é muito linear, sem suspense, épico. Nos meus trabalhos, acho que até agora fui atraído a histórias mais tensas, cenários mais eficazes” – Jacques Audiard

Audiard não tem medo em dizer que nunca teve um desejo latente de filmar um Western. O próprio admitiu em entrevista que “nunca teve uma relação académica com o género”, preferindo como espectador os filmes lançados na chamada época do declínio, como O Pequeno Grande Homem (1970) e Duelo no Missouri (1976). Nos mais clássicos, o realizador mostra-se atraído por Rio Bravo (1959), O Homem Que Matou Liberty Valance (1962) e O Grande Combate (1964), mas quando pensa em influências na construção do guião, as inspirações vêm de trabalhos de outro género, como a A Sombra do Caçador (1955).

Ainda que abarcando a narrativa do homem solitário (Riz Ahmed) que se aventura em busca da fortuna, esta primeira incursão de Audiard em língua inglesa – baseada no livro de Patrick deWitt – apoia-se e desconstrói com maior intensidade o conceito de fraternidade, quase que de forma bíblica, colocando lado a lado as diferentes ambições e personalidades de dois irmãos,  John C Reilly e Joaquin Phoenix, cuja missão é perseguir, roubar e matar Hermann Kermit Warm (Ahmed), o qual segue para São Francisco.

Ambientado em 1850, no Oregon, o filme retrata o velho jogo do gato e do rato, uma verdadeira road trip a cavalo por entre localidades recheadas de personagens singulares e de elementos que demonstram uma mudança dos tempos (sanitas modernas, pasta e escova de dentes), das mentalidades, mas com a ambição desmesurada omnipresente, seja ela na forma dos homens se tornarem livres e independentes de um patrão, seja a ideia de enriquecer facilmente, ou seja até o participarem em comunidades com conceitos de socialismo e democracia presentes, longe da violência que marca a era.

Simultaneamente, este é também um conto de masculinidade, de pressões invisíveis, de personagens solitárias que se sentem cada vez mais à parte da sociedade e fora do seu tempo. Com uma omissão quase completa do sexo feminino no núcleo da história, as mulheres estão presentes apenas como figuras inerentes aos saloons para proporcionar prazer aos aventureiros, havendo uma exceção quando apresenta a dona e de um espaço de diversão que se confunde com a própria cidade onde se estabeleceu (Mayfield, num registo brilhante da atriz Rebecca Root).

Com um forte tom noir e suficiente mordacidade, o realizador de filmes como Um Profeta e Dheepan nunca cai numa teia excessivamente dramática, nem demasiado cómica, ficando num meio caminho, algures entre Clint Eastwood e os irmãos Coen, sempre sombrio e sempre sem qualquer colagem estilística.

Na verdade, este Os Irmãos Sisters é um Western porque se desenrola e passa-se nessa época e neste local, mas os eventos poderiam facilmente ser reciclados em qualquer parte da história da humanidade, pois a ambição e a inadequação são temas universais e atemporais. Isso sente-se particularmente na personagem de John C. Reilly, ele que deu a ideia a Audiard de adaptar o filme e que também o produz. Na sua dupla com Joaquin Phoenix, sente-se constantemente o irmão Beta da relação, sempre a protestar e choramingar com o tratamento diferenciado que recebe, seja por causa do cavalo, seja por se assumir como o mais responsável, o ponderado, o estratega, enquanto Phoenix é visto como um fanfarrão bebedolas sempre com o dedo no gatilho que, ao invés dele, prefere ser famoso e temido.

Já Ahmed e Jake Gyllenhaal são claramente mais letrados, com maior bagagem científica, e que tendem a se separar destas “bestas selvagens” mundanas, representando eles mesmo a mesma sensação de inadequação ao tempo e espaço. Aquilo que une os dois lados acaba por ser a ambição, a riqueza como finalidade máxima, mesmo que nas metas esteja o Éden, na forma utopias civilizacionais ou de negócios próprios.

É este confronto entre todas as personagens – ambíguas e em clara transformação (tal como o velho Oeste) –  que oferece ao espectador um leque variado de “motifs” dignos para reflexão, nunca faltando boas doses de humor negro, violência (nunca gratuita) e um cinismo afiado entre sensibilidades e ilusões quase infantis.


Jorge Pereira

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