Sexta-feira, 19 Abril

Após críticas de Sergeï Loznitsa, Academia Europeia de Cinema junta-se no boicote ao cinema russo

Um dia depois de Sergeï Loznitsa ter apresentado a sua demissão de membro da Academia Europeia de Cinema (EFA), e acusado a associação de timidez nas críticas à invasão russa da Ucrânia, a EFA deu um passo sem precedentes ao se juntar à Academia de Cinema Ucraniana num boicote global ao cinema russo como forma de protesto contra o conflito.

Num comunicado esta terça-feira, a EFA afirma que “se juntou às enormes sanções globais atualmente em vigor contra a Rússia e apoia totalmente o apelo da Academia de Cinema Ucraniana para boicotar o cinema russo”.

A Academia condena veementemente a guerra iniciada pela Rússia – a soberania e o território da Ucrânia devem ser respeitados. As ações de Putin são atrozes e totalmente inaceitáveis, e condenamos veementemente”, diz o comunicado da EFA. “O que mais nos preocupa é o destino dos ucranianos, e os nossos corações estão com a comunidade cinematográfica ucraniana. Temos plena consciência de que vários dos nossos membros estão a lutar com armas contra o agressor. A Academia, portanto, excluirá os filmes russos dos European Film Awards este ano e damos o nosso apoio a cada um dos elementos do boicote”.

Esta segunda-feira, 28 de fevereiro, Loznitsa, cineasta ucraniano nascido na Bielorrússia, pôs em causa a primeira reação da EFA à invasão da Ucrânia, no qual se falava de “aumento da tensão“, “solidariedade” e “ajuda aos membros ucranianos“, mas não de “guerra“: “É realmente possível que vocês – humanistas, defensores dos direitos humanos e da dignidade, defensores da liberdade e da democracia, tenham medo de chamar uma guerra de guerra, de condenar a barbárie e expressar o protesto?”.

Boicote cultural à Rússia ganha adeptos

A resposta da comunidade cinematográfica internacional, organizando um boicote ao cinema russo, está a ganhar adeptos e este domingo, o festival Series Mania anunciou que o órgão de promoção de filmes apoiado pelo Estado da Rússia, Roskino, seria impedido de participar da mostra internacional de TV realizada no final deste mês em Lille.

Por outro lado, esta segunda-feira, a Disney, a Warner Bros. e a Sony Pictures decidiram suspender a estreia na Rússia dos seus lançamentos cinematográficos, incluindo os filmes “The Batman” e “Morbius”.

Também na segunda-feira, o Festival de Cinema de Estocolmo anunciou que não exibirá na sua próxima edição nenhum filme russo financiado pelo Estado, enquanto o Festival de Cinema de Glasgow disse que retirou dois títulos russos da sua edição de 2022.

Já hoje, o Festival de Cannes anunciou que não “aceitará a menor presença de qualquer instituição ligada ao governo russo” na sua próxima edição, mas que essa proibição não afetará cineastas russos. “Entre eles estão artistas e profissionais que nunca pararam de lutar contra o atual regime e nunca seriam associados a esses atos intoleráveis ​​e àqueles que estão a bombardear a Ucrânia”, afirmou o certame.

Russos alertam para o silenciar das vozes internas de protesto

Numa conversa com a Variety, um produtor veterano de cinema russo critica o boicote, embora afirme que é necessário manter um discurso forte contra a guerra: “A necessidade da Europa fazer uma declaração clara contra a guerra é compreensível e necessária. No entanto, banir todos os russos dos grandes eventos culturais não é apenas inútil – é prejudicial (…) Centenas e milhares de trabalhadores culturais russos discordaram abertamente da decisão do governo de iniciar uma guerra: eles condenam as suas ações, vão a protestos, apoiam a Ucrânia, e correm o risco de serem condenados por traição. Quase todos eles não votaram em Putin. Ao banir essas pessoas de eventos internacionais, a Europa está a silenciar a voz de protesto russa, isolando as pessoas que querem parar a guerra no meio daquelas que querem intensificá-la”.

O próprio Sergei Loznitsa, em declarações à Variety, esta quarta-feira, também afirmou ser contra qualquer boicote generalizado ao cinema russo: “Quando ouço esses apelos para proibir os filmes russos, penso nesses (cineastas), que são boas pessoas. Eles são vítimas como nós desta agressão”.

O cineasta foi ainda mais longe ao dizer que, nas suas críticas à EFA, nunca desejou que esta associação entrasse num boicote completo ao cinema russo: “Em fevereiro de 2022, quando os soldados russos começaram a invadir a Ucrânia, a primeira mensagem que recebi foi do meu amigo Viktor Kossakovski, um cineasta russo que me disse: ‘Perdoe-me. Isto é uma catástrofe. Estou tão envergonhado.’ Mais tarde, naquele dia, Andrey Zvyagintsev, que ainda está enfraquecido por uma longa doença, gravou uma mensagem em vídeo (…) O que está a acontecer diante dos nossos olhos é horrível, mas peço para não caírem na loucura. Não devemos julgar as pessoas com base nos seus passaportes. Podemos julgá-los pelos seus atos. Um passaporte está ligado ao lugar onde nascemos, enquanto um ato é o que um ser humano faz de boa vontade”.

[Notícia atualizada às 17h34]

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