Quinta-feira, 25 Abril

Frankenstein: o Prometeu de Mary Shelley acorrenta-se à crise da Grécia

Costas Zapas regressa este ano com Frankenstein

Depois de brilhar na Berlinale com “Digger“, de Georgis Grigorakis, laureado com o prémio da CICAE, a Grécia prepara-se para provar do gosto da consagração nos festivais internacionais à boleia de uma experiência que mistura política, terror e assombro diante de sua crise financeira: “Frankenstein”, de Costas Zapas.

Esperado há uma década, o novo projeto do realizador de “The Last Porn Movie” (2006) reinventa o mito de que a Ciência sobrepuja a Natureza, edificado por Mary Shelley (1797-1851) no século XIX. Na reinvenção proposta por Zapas, uma trupe interpreta a saga do Dr. Frankenstein nos palcos quando uma jovem repórter, que investiga a lenda, chega à hipótese de que o livro de Shelley não é uma ficção, mas a verdadeira história de um grupo de alquimistas, fundada pelo jovem médico Victor Frankenstein. Em 1817, eles teriam conseguido derrotar a mortalidade e regressado ao mortos. Entrevistando os membros da trupe de teatro, a repórter é confrontada com segredos sombrios, que travam uma analogia com os fantasmas da decadência da Europa de hoje.

Na entrevista a seguir, Zapas fala ao C7nema sobre suas reflexões acerca do horror e da derrocada moral de sua pátria.

Qual é a dimensão sobrenatural de um projeto que usa o monstro de Frankenstein como metáfora para a crise grega. O quanto a crise financeira do seu país reverbera pela trama da sua longa-metragem?

Todos os conflitos económicos da História conduziram automaticamente a uma crise política, social e, em última análise, existencial. Quando isso acontece, as pessoas voltam-se para o sobrenatural, mais do que nunca. Eles buscam a redenção em Deus ou em “outro mundo”, na imortalidade ou mesmo nos super-humanos, os conhecidos super-heróis do cinema, que, de alguma forma, hão de salvá-los com superpoderes. Afinal, o Monstro que Viktor Frankenstein criou não seria um super-herói desde que voltou dos mortos e passou a viver para sempre? É claro que, para criar o Monstro, a lei moral deve ser violada. Mas, em todo contexto da crise financeira, a lei moral é violada. São estratégias de discurso.

Qual é o lugar dos filmes de terror no cinema grego e como é a sua relação com o género?

Não existe essa tradição no cinema grego, há apenas casos isolados. Porém, conforme as pessoas vão ficando cada vez mais assustadas diante dos conflitos do dia a dia, a popularidade desse filão, o terror, vai aumentando. Os heróis desse género despertam identificação pois eles levam as pessoas a sentirem que não estão sozinhas no embate contra o fantasma do Medo. O horror obedece a uma lógica de ficção. Mas será que todo esse medo não seria uma forma de ficção? Temos medo do que vai acontecer amanhã, frente a uma crise política, mesmo sem ter certeza de que vamos viver até o amanhã. São projeções.

De que maneira o diálogo com as narrativas teatrais te ajuda a desenhar a trama de “Frankenstein”?

Decidi neste filme que a trama iria rondar a excursão de uma trupe teatral que está apresentando a lenda de “Frankenstein” ao redor do mundo. A forma que encontrei para transpor o enredo do romance para os dias de hoje foi adentrar pelo clima claustrofóbico de uma performance teatral e estudar as relações de bastidor que se estabelecem entre artistas que passam décadas encenando peças juntos.

Qual foi a maior contribuição do monstro de Mary Shelley para a História, pelo menos em relação às narrativas ocidentais?

A futilidade. A criatura de Frankenstein vive para sempre, mas solitária. Ela reina num deserto. Afinal de contas de que vale durar para sempre depois que se perde a alma?

Notícias