Quinta-feira, 25 Abril

Breve Miragem de Sol: Eryk Rocha e os dilemas sociais do Brasil

"Breve Miragem de Sol" chega ao Globloplay

Quatro anos depois da vitória em Cannes, com Cinema Novo, laureado com o troféu L’Oeil d’Or de melhor documentário, o realizador brasileiro de 41 anos retorna aos ecrãs da Europa, via Reino Unido, com uma nova ficção: Breve Miragem de Sol. E é o regresso dele às narrativas ficcionais (de forte experimentação formal) quase uma década depois de sua estreia no formato, com Transeunte (2010). O seu foco aqui é o universo do trabalho (ou da falta dele) no Rio de Janeiro dos anos 2010, tendo como eixo dramático a labuta diária do taxista Paulo, vivido por Fabrício Boliveira (de Tungstênio).

Com saudades do filho de 10 anos, de quem vive separado, após o fim de seu casamento, Paulo encara a solidão das noites cariocas atrás de sua sobrevivência, cruzando com passageiros nem sempre educados, e com uma potencial paixão, a enfermeira Karina, vivida por Barbara Colen. Na entrevista a seguir, ao C7nema, o realizador (filho do mítico cineasta Glauber Rocha) fala sobre o saldo estético por sua incursão no universo do transporte urbano de uma grande metrópole.

O turbilhão político do Brasil de hoje parece justificar uma certa condição de “heroísmo” de Paulo… a de “herói da arte de sobreviver”. Que heroísmos são possíveis no Brasil de hoje?

Eu não penso em termos de heroísmo. Paulo e Karina e todos personagens do filme são pessoas com que cruzamos todos os dias nas ruas. De certa forma, Karina, mulher forte e determinada, é quem provoca Paulo a romper certa inércia, a olhar sua contradição e partir para a ação. Penso que Paulo é a expressão viva de um país em crise profunda, em convulsão, sem rumo e perspectivas claras, mas que precisa com urgência e imaginação se reinventar em busca de um caminho, de um projeto, um novo horizonte, de um porvir ou de breves miragens de sol.

A montagem de Renato Valone parece sugerir algo ainda mais “interior”… “inconsciente”… “espiritual” do que a edição de Transeunte, a sua primeira longa metragem de ficção, aparentava ao mostrar (também, só que noutra medida) um corpo em andança. Parece que estamos diante de algo mais psicanalítico. O que você sente nessa forma de retratar Paulo em relação a esse jogo de inconsciente e consciente? Quem é esse ‘taxi driver’ da noite?

O Renato e eu conversamos muito da necessidade da montagem incorporar os fluxos e a pulsação do próprio Paulo, os trajetos, os sobressaltos, os desvios, a solidão, as dificuldades, o caos…. Ou seja, do espectador virar o Paulo e vivenciar esse turbilhão de experiências de um homem que está em constante movimento, em embate com esse país-labirinto chamado Brasil.

Qual é o lugar do trabalho na geografia de afetos a que Paulo faz parte em Breve Miragem de Sol e o que essa reflexão sobre um corpo que entra em movimento em nome da sobrevivência económica revela sobre as falências e pendências do Brasil em relação ao desemprego e a exclusão financeira?

Breve miragem de sol possui múltiplas camadas. Entre elas, o filme fala sobre ‘violência estrutural’ sobre e a precarização do trabalho. Paulo é um trabalhador brasileiro e, a exemplo de grande parte da sociedade, ele está imerso e sufocado por esses problemas, onde as relações estão mediadas pelo dinheiro, o ‘deus dinheiro’. Estamos vivendo a Uberização do mundo. Paulo não é um taxista, ele ‘está taxista’. O trabalho que o oprime é ao mesmo tempo a solução provisória que permite a ele ter um dinheiro imediato para aliviar a tensão, pagar as dívidas com o filho, resolver o dia a dia. Acontece que esse corpo endurecido e cansado, que resiste, que luta, em um país colapsado como o nosso… esse corpo ama, deseja, canta, dança, sonha…

O quanto a experiência de desconstrução de arquivos (de passados) operada por você em Cinema Novo, ao buscar outro sentido para imagens icónicas, influi nessa forma de desconstruir as paisagens urbanas de Breve Mirada…?

Fizemos uma ampla pesquisa junto com o Miguel e a Júlia (fotógrafo e assistente de realização/corroterista) sobre a geopolítica da cidade. Essa pesquisa documental teve a participação essencial de alguns taxistas que se tornaram consultores do filme. Paulo e os habitantes do Rio de Janeiro cruzam em seus caminhos com cadáveres de um projeto de cidade inconcluso, que, concretamente, não foi integrado, nem trouxe benefícios e bem estar social a maioria da população. Através do olhar da nossa personagem, que é um estrangeiro, um refugiado em seu próprio território, queremos descobrir uma cidade que foge da paisagem ensolarada e idealizada que estamos acostumados a ver nos cartões postais e no imaginário publicitário. Não é por acaso que Breve Miragem de Sol é um filme eminentemente escuro, que, em boa parte, acontece no Centro e na Zona Norte, na chamada “periferia”. Então, através do cinema, queremos revelar uma outra cidade, subterrânea, escondida, noturna, das sutilezas, onde coexiste a guerra e os afetos.

Como você sempre toca projetos em paralelo… que outros filmes/séries estão nascendo em paralelo a Breve Miragem de Sol?

Neste momento, estamos montando EDNA, um filme através de uma poeta, mulher forte que sobreviveu a diversos massacres e conflitos no sul do Pará. Ao tempo, estou há dois anos filmando um documentário com a cantora Elza Soares, um presente da vida, em breve entramos em montagem. E por fim estamos preparando o roteiro Queda do Céu, que vou codirigir com a Gabriela Carneiro da Cunha baseado no livro do Davi Kopenawa Yanomami e Bruce Albert, uma viagem incrível através da cosmologia Yanomami.

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