Sexta-feira, 19 Abril

“O Terramoto”: blockbuster à Hollywood com “twist” escandinavo

Durante vinte anos, John Andreas Andersen trabalhou como diretor de fotografia, principalmente na Noruega, onde conta no currículo com filmes como Uno (2004), Algumas Portas Nunca Deviam Ser Abertas (2005) e Headhunters – Caçadores de Cabeças (2011).

Agora em O Terramoto (2018), a sequela de Bølgen: Alerta Tsunami (2015), John Andreas Andersen assina a sua segunda obra a solo na realização, isto porque já em Uno tinha codirigido com Aksel Hennie. “Já passei por Portugal há cinco anos atrás para filmar uns anúncios”, disse-nos ontem no Cinema São Jorge, antes de apresentar perante o público do MOTELx o seu filme catástrofe com um forte cunho de drama familiar.

Uma conversa agradável, onde se falou da transição da direção da fotografia para a realização, de Christopher Nolan e, claro, dos novos projetos que tem na agenda.

Ao longo da sua carreira trabalhou quase sempre na fotografia, mas agora transitou para a realização…

Sim, durante 20 anos trabalhei na direção de fotografia, mas nos últimos dois apliquei-me na realização.

O que o fez dar esse passo?

Foi algo gradual. Trabalhei para uma série que passou na Netflix [Okkupert, 2015] como diretor de fotografia, sendo o responsável por todo o visual da série e eles acabaram por me contratar para realizar dois episódios. Depois disso, comecei lentamente a trabalhar mais como realizador.

Quanto a este Terramoto, eu tinha trabalhado com o realizador do filme anterior – Roar Uthaug – em três filmes. Eles perguntaram-lhe se ele queria realizar esta sequela e ele disse que não podia, por isso sugeriu o meu nome.

E foi uma boa experiência para si?

Foi bastante interessante, diverti-me muito. Acho muito interessante fazer estes filmes de género, ao estilo de Hollywood com um twist escandinavo neles. Claro, temos que os fazer com orçamentos pequenos…

Uma das coisas que gostei no filme é a escolha dos efeitos práticos e cenários reais em vez de ser tudo CGI. Prefere assim?

Sim e isso é muito importante para se conseguir a sensação de realismo. Já fiz inúmeros filmes com recurso a CGI e muitas vezes as cenas não se sentem como reais. Como tal, achei importante gastar o dinheiro em sets verdadeiros.

E para si qual é a principal diferença entre este filme e um blockbuster americano, um daqueles filme-catástrofe de Hollywood como os que Roland Emmerich faz?

Acho que a principal diferença – para além do orçamento – é a forma como gastamos o tempo com as personagens. Conhecê-las, desconstruí-las. De certa forma é como um drama. Neste filme, demoramos um pouco até chegar à catástrofe. É sem dúvida um filme de desastres naturais, mas também um drama. O meu objetivo é que as pessoas se liguem e sintam algo pelas personagens em cena.

Se vires o San Andreas, ou um filme qualquer de Hollywood, tens logo a catástrofe passados uns dois minutos. E claro, não te interessas pelas personagens. Vês o The Rock a descer um helicóptero e não queres saber. Não soa a algo real. Creio que essa é a maior diferença [em relação ao nosso filme]. Terramoto tem mais elementos de drama e gasta mais tempo com as personagens.

Trabalhou com muitos realizadores, enquanto diretor de fotografia. Alguns deles influenciaram a sua maneira de ser como realizador?

Sim, claro. Fiz escola como diretor de fotografia, mas também com os realizadores com quem trabalhei. Sinto-me muito afortunado com o que aprendi.

E há algum realizador que goste e que sirva de influência para o seu trabalho?

Sim. Uma resposta muito clara a isso é Christopher Nolan, pois ele consegue fazer aqueles filmes com espetáculo e dramas reais. Ao mesmo tempo são filmes charmosos, enormes, de Hollywood. Essa combinação que ele consegue é algo que me atrai.

E sendo um diretor de fotografia transformado em realizador, como foi trabalhar com o John Christian Rosenlund, que fez a fotografia do Bølgen: Alerta Tsunami e deste Terramoto? Manteve a sua distância ao trabalho dele? (risos)

(risos) Sim. Ele estava muito nervoso, pois estava a lidar com um realizador que também é diretor de fotografia. Mas foi bastante interessante. Ele teve uma boa experiência, até porque foi mais fácil do que é normalmente, pois estava com alguém que também sabia falar a sua linguagem. Acho que consegui deixa-lo fazer o seu trabalho…

E o seu trabalho com os atores? Deixa-os criar e mexerem nas personagens ou agarra-os ao guião?

Há muita improvisação nos sets. Dou liberdade aos atores, até por causa do meu background na cinematografia. Tenho um enorme respeito pelos atores e sei o trabalho difícil que têm pela frente. O que foi bom no Terramoto é que muitos dos principais atores já tinham trabalhado comigo noutros filmes, por isso conhecia-os muito bem. Confiei neles e eles em mim.

E do ponto de vista científico, como foi essa investigação? Tinham consultores, certamente…

Obviamente que estamos a fazer ficção e O Terramoto nem parece bem um filme de sismos, mas mais do fim do mundo (risos)… do dia do julgamento (risos). Mas sim, tínhamos consultores. Tudo foi baseado em algo real, o terramoto de 1904 em Oslo. Claro que na época a cidade era muito mais pequena, mas Oslo está situada numa falha geológica. Ninguém, nem os especialistas, podem dizer o que vai acontecer, ou quando vai acontecer um grande sismo, mas ele é esperado. Pode acontecer, mas não sabemos como.

E como tem sido a receção ao filme por esse mundo fora?

Na Noruega foi fantástica, um dos maiores sucessos. Tem sido muito interessante mostrar o filme por esse mundo fora, como em Los Angeles. Eles sentiram-no como um filme com os truques de Hollywood mas um toque escandinavo, um olhar diferente ao do cinema deles.

Vamos assistir a um terceiro filme desta saga?

Não, acho que não. Na verdade, já estou a trabalhar num novo projeto com o mesmo produtor de O Terramoto. Estamos a fazer um novo filme, que se chama North Sea [Mar do Norte]. Ainda está em desenvolvimento, mas posso adiantar que vai ser um grande filme de ação, com elementos de filme catástrofe também, mas com o pano de fundo do negócio do petróleo.

Tenho também outros projetos em desenvolvimento, três guiões nas mãos. Mas acho que esse vai ser o que vai avançar primeiro, com as filmagens já em 2020.

E vai continuar a trabalhar como diretor de fotografia ou agora só na realização?

Essa é uma pergunta complicada, pois durante 20 anos a fotografia foi a minha paixão e nos dois últimos anos passei para a realização. Acho que por agora vou ficar na realização, embora admita que possa fazer um ou dois trabalhos como diretor de fotografia para me manter a par dos avanços da área.

E como trabalhou já para a Netflix e para o Cinema, como vê o futuro? Acha que o Cinema – como o conhecemos – vai morrer?

A razão porque quis trabalhar em filmes foi pelo Cinema. Quando era criança, ia às salas de cinema e toda a experiência era maravilhosa. A experiência social de estar numa sala com um grande ecrã, um som ótimo e a partilhar com outras pessoas essa alegria. É isso que está mais próximo do meu coração.

Mas existem tantas coisas boas a serem feitas nestes serviços de streaming: na Netflix, HBO, Amazon. No cinema americano, o que estava a acontecer é que só se faziam grandes ou pequenos filmes. Com a HBO e Netflix eles voltaram a fazer filmes “médios”, que normalmente, em termos de orçamento, são os mais interessantes. Atualmente há filmes muito interessantes a sair do streaming e acho que isso não vai matar a experiência das salas de cinema.

Como tem um passado na fotografia e falou do Nolan, uma pergunta complicada. Película ou Digital? (risos)

Em toda a minha carreira como diretor de fotografia trabalhei mais com película, mas agora tenho de dizer… o digital…(risos)

Notícias