Sexta-feira, 10 Maio

Joaquin del Paso e as elites: “Estamos num ponto muito mau da história do México”

Nenhuma cinematografia tem mostrado o ambiente em ebulição da sua sociedade cada vez mais díspar em termos sociais que a mexicana. De Michel Franco (Nova Ordem) a David Zonana (Mano de Obra), passando por Tatiana Huezo (Noche de Fuego), Ángeles Cruz (Nudo Mixteco), Lorenzo Vigas Castes (La Caja) e Teodora Mihai (La Civil), o cinema mexicano não se cansa de dizer nos últimos anos que a sua população está a viver num barril de pólvora pronto a explodir.

E Joaquin del Paso e o seu “El hoyo en la cerca” é mais uma pedrada (valente) no charco do seu país, seguindo um acampamento católico para jovens destinado a formar as elites do futuro. Construído num terreno conquistado no passado aos indígenas, este espaço meticulosamente protegido do mundo exterior será abalado quando um buraco numa vedação é descoberto. Estará este espaço destinado ao 1% da população, os extremamente ricos, em perigo? E qual será a resposta destes privilegiados?

Estas são as questões que o cineasta coloca no seu filme que foi exibido no Festival de Antália na competição internacional, tendo uma forte reação do público turco que viu nele não apenas uma história mexicana, mas universal.

Joaquin del Paso em Veneza

Estamos num ponto muito mau da nossa história. A sociedade está totalmente dividida e existe uma falta de harmonia muito grande.”, explicou-nos o realizador em entrevista hoje, um dia depois da sua estreia em terras turcas. “A disparidade social no México segue a crescer e, este ano, no pós pandemia, as coisas ainda estão piores. Não sei os números exatos, mas a pobreza extrema cresceu muito e isso é algo que não vais recuperar rapidamente. O México continua a ter alguns dos homens mais ricos do mundo, mas também dos mais pobres.

Ao contrário de “Nova Ordem” e “La Civil” que seguem de certa maneira as consequências dessa disparidade, “El hoyo en la cerca” mostra por sua vez as origens, acentuado no facto de haver uma forte clivagem económica entre os brancos, ricos, descendentes de espanhóis, e os pobres, normalmente indígenas. “Veja-se o tema da ‘conquista’. O governo mexicano está a exigir um pedido de desculpas da coroa espanhola pela conquista. O Papa, já admitiu que sim, esse pedido de desculpas, mas Espanha recusa-se a isso”, diz-nos del Paso, o qual fez a sua formação cinematográfica em Cuba e na Polónia, além de colaborar com cineastas como Carlos Reygadas e Amat Escalante. “A fundação da sociedade mexicana não se pode pensar sem a conquista espanhola. Este sistema social que se gerou desde os tempos coloniais segue perpetuando-se até aos dias de hoje. Este tema causa muita dor aos mexicanos e o cinema está a tentar explorar estas temáticas (…) e dentro dessa disparidade social, que é óbvia, há mais camadas. Não podemos generalizar usando o termo branco como ricos. Dentro deles há uma elite, uma cúpula do poder. Este filme tenta mostrar como essa elite tem um sistema radical de pensamento que os ajuda a permanecer no poder. Um pensamento quase fascista, super divisório. Para encontrarmos a origem destas disparidades temos de ir até essa cúpula”.

De Cuba à Polónia

Na sua formação, del Paso passou por Cuba, “um país pobre, mas que partilha uma harmonia” que não encontra no México, e a Polónia, “um dos países que mais sofreu as transformações do século XX em termos políticos, ideológicos e geográficos, e que logrou fazer um cinema muito forte, profundo e crítico do sistema, mas de uma forma subtil e inteligente“. Essa passagem e educação pelos dois países formou certamente o olhar do realizador na construção do seu cinema, que no caso específico de “El hoyo en la cerca” tem um arranjo estético que se quer realista. “Para mim era muito importante sentir a energia de estar com 35 miúdos num espaço a filmar. Creio que quanto mais velhos somos, mais recatados e encerrados no nosso próprio mundo ficamos. Um adolescente é como uma porta aberta às suas emoções, aos seus pensamentos. Ter 35 adolescentes nos ensaios e filmagens era algo muito energético. Toda a mise-en-scène foi pensada de forma a mostrar essa dinâmica e energia. E tentei capturar isso com o mínimo possível de repetições. Os planos são longos e a câmara explora e move-se como uma espécie de observadora de tudo“.

O terceiro dia do Festival de Antália exibiu ainda o mais recente filme de Semih Kaplanoğlu, “Commitment Hasan”, que estreou em Cannes, em julho.  O turco já tem uma carreira estabelecida no cinema e até já ganhou a Berlinale em 2013 com “Mel”, apresentando agora a história de Hasan, um homem que ganha a vida na jardinagem e agricultura nas terras que herdou do pai. Entre a sua viagem iminente a Meca para peregrinação, ele será incomodado pelas autoridades quando se pretende instalar um poste de energia no meio das suas terras. 

O  Festival de Antália prossegue até ao dia 9 de outubro

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