Segunda-feira, 20 Maio

Michel Franco e a “Nova Ordem”: “Estamos sentados sobre uma bomba relógio”

"Nova Ordem" chega aos cinemas a 23 de setembro

Verde é a cor da esperança, da ecologia, dos movimentos e ativismos, dizem por aí, mas no bombástico “Nuevo Orden” (Nova Ordem) de Michel Franco, que chega (finalmente) esta semana aos cinemas, uma das cores da bandeira mexicana é utilizada como marca estética de uma revolta popular que começa a descarrilar para uma gestão autoritária e totalitária de um novo regime que se esperava ser um rasgo de sol a atingir a sombra das injustiças sociais.

“Primo” mexicano de “Parasitas”, onde a luta de classes entra por dentro de uma bela mansão e atinge aqueles que celebram, o filme não está longe ideologicamente de “Mano de Obra”, que Franco produziu no ano passado, e que seguia a ocupação de uma casa, numa espécie de regime socialista na organização, e como a transformação humana transita para o pior quando o poder começa a criar vícios. É já este ano, com “Sundown”, Franco volta a colocar esse tema em atenção, mesmo que no centro o da sua história esteja um drama familiar.

Começado a ser idealizado há sete anos anos, com o guião escrito há quatro e as filmagens há dois anos e meio, Franco disse ao C7nema em San Sebastián (2020) que a realidade da sua distopia cada vez está mais próxima, como se viu pelos protestos dos Coletes Amarelos em França, ou Hong Kong, e Chile, não esquecendo o crescimento dos fascismos um pouco por todo o lado e os governos que cada vez mais controlam as pessoas, e militarizam as suas forças. Isso tudo em vez de darem melhores condições para as pessoas viverem. “O mundo distópico do filme parece-me perto do que vivemos”, explicou-nos Franco. “Todas as revoluções a que assistimos falharam. A revolução mexicana foi há cem anos e o país está num estado terrível. Peguemos na revolução cubana, feita para melhorar a vida das pessoas. Primeiro foi muito sangrenta e isso foi doloroso. Acho que a maior parte das ‘Novas Ordens’ nunca melhoram muito as coisas, pois acabam por tentar controlar as pessoas. É como a pandemia. Estamos a aprender alguma coisa? O mundo será melhor e mais justo depois disto? Isto é uma espécie de revolução. Se falares com octogenários muitos vão dizer que nunca viram nada assim. Mas as coisas não vão melhorar. Os ricos continuarão a ser privilegiados, e os pobres continuarão a adoecer. Sim, alguns países conseguem atenuar essa diferença, mas poucos”.

Considerando-se ele mesmo um privilegiado, Franco afasta o cenário de cinismo no seu filme, falando antes em “objetividade” e num passo importante para “abordar estes problemas“. “O ato de fazer um filme sobre isto é muito positivo, pois começamos a ter uma discussão. Creio que esse é um primeiro passo para melhorar as coisas. Dizer o que está mal! Se não tivermos empatia pelos mais frágeis, não há esperança.Tudo vai explodir. Estamos sentados sobre uma bomba relógio e ninguém vê isso. Tudo o que não vemos acabará por nos matar. Com apenas uma pequena percentagem de pessoas a terem a maioria da riqueza global, tudo vai acabar mal. (…) Não gosto de falar de política especificamente, mas repare nisto: as pessoas dos protestos Black Lives Matter tiveram de fazer todas aquelas demonstrações, 60 anos depois da morte de Martin Luther King, apenas para provar que os afroamericanos devem ser tratados igualitariamente em relação aos brancos! Por amor de Deus, em 2020 ainda andamos nisto. (…) Se o meu filme acabasse bem, seria cinismo. Não fiz o filme com a ideia de melhorar o mundo, fiz porque o tema é uma obsessão minha desde pequeno. Quando cresces no México, tens de ser cego ou super egoísta para não teres noção que estamos a viver de uma forma terrível. Eu faço parte da massa privilegiada. Moro a 3 minutos daquela loja Louis Vuitton que vemos no filme. (…) Estou convencido que a maioria das pessoas do globo nunca poderão progredir, pois o sistema está montado de forma a não permitir isso.   ”.

Violência 

Para Michele Franco, mostrar violência num filme pode ser uma coisa boa, se esse retrato for realista. Quando as pessoas gostam da violência que estão a ver no grande ecrã, então o realizador em questão está a filmar a cena de um ângulo errado: “Neste filme, nenhuma da violência que aparece é agradável ou estimulante. Mas se alguém disser que a violência que viu no filme é imoral, como um crítico italiano fez, então é porque o filme agitou as águas. Provavelmente essas pessoas acham que as coisas devem estar como estão. Mas espero que também se fale do filme além disso, em termos cinemáticos. Não quero falar muito de política, pois tenho medo que afaste a atenção das pessoas do foco do filme, que é social.  ”.

Após a pandemia, a revolução está mais perto

Depois da nossa conversa em San Sebastián em 2020, voltamos a nos cruzar com o cineasta, agora no Festival de Bruxelas, questionando-o sobre se a pandemia e os tempos que vivemos aumentaram o risco de uma revolução. “Espero que não aconteça como no filme, mas em alguns sítios as disparidades entre ricos e pobres aumentaram. Especialmente em locais frágeis em termos de segurança social, onde os governos fazem pouco ou nada para ajudar a população. Neste momento, já há países a darem a 3ª dose da vacina e alguns ainda nem sequer terminaram a primeira dose, ou mal começaram. A questão não é bem se vai haver uma revolução, mas o quão grande é esta questão das desigualdades.(…) O México é um país com 130 milhões de pessoas que vivem todas elas em diferentes realidades. Algumas dessas realidades são mais duras que outras, resta saber a intensidade de cada um desses grupos. A estreia do filme no México foi muito controversa e polarizante nas conversas. Metade aceitou bem o tema e mostrou abertura para falar disso, mas a outra metade não. Muitos ataques vieram de pessoas que nem viram o filme, só pelo que representava.”

Autocensura e “cancel culture”

Mal estreou no México surgiram vozes críticas que atacaram o cineasta, falando-se mesmo num “cancelamento” da sua carreira. “Hoje em dia tudo é mais traiçoeiro com as redes sociais. Há mais gente a falar, mas a conversa é levada para um nível mais baixo. Jornalistas como tu estão preparados para dialogar comigo, mas quando pegam em certos comentários e os metem nas redes sociais, fora de contexto, isso leva ao vazio. Temos de ter cuidado, mas também evitar pensar e valorizar muito isso. Por isso mesmo não tenho nenhuma conta nas redes sociais. Não participo nesse tipo de diálogo. De resto, não diria que exista algum exercício de auto-censura nos meus filmes. Continuo a fazer filmes sobre coisas e causas que sei que no futuro ainda abraçarei. Tento sempre que as ideias que tenho cresçam em mim, antes de as filmar. (…) Talvez seja uma imaturidade minha, mas quando se falou da controvérsia do meu filme no México, imaginava que as pessoas pensavam mesmo que eu estava muito afetado com isso. A estupidez do “vamos cancelá-lo”. (risos). Bem, enquanto estavam aí a tentar me cancelar, fiz um filme novo (Sundown). Por isso, boa sorte aí com os vossos “tweets” (risos)”. 

“Nuovo Orden” na TV?

“Sim, fui abordado para essa possibilidade. Neste momento estou mais atraído por outras coisas diferentes, mas talvez as coisas mudem. (…) Eu faço filmes para o cinema e o streaming vem na janela a seguir. A janela de maior duração e que atinge mais público, muito do qual não acede aos cinemas.Quando escrevo um guião nunca penso em TV. Penso no grande ecrã.”

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