Seis anos depois de – com alguma surpresa – conquistar o Leão de Ouro em Veneza com “Desde allá”, o venezuelano radicado no México Lorenzo Vigas regressa ao cinema com “La Caja”, um drama consideravelmente diferente da sua ficção de estreia, não apenas no enredo, mas fundamentalmente nas decisões estéticas e no tom.

Estreado em Veneza 2021 e inserido na Horizontes Latinos de San Sebastián, “La Caja” decorre no estado mexicano de Chihuahua, o qual faz fronteira com os EUA (Novo México). É aqui que assistimos à chegada de um jovem, Hatzim (interpretado com toda a expressividade pelo jovem Hatzín Navarrete), que viaja da Cidade do México para recolher os restos mortais do pai, que aparentemente foi encontrado numa vala comum. É dentro do autocarro, com a caixa com os restos mortais do pai ao colo, que o miúdo olha pela janela e vê um homem cuja aparência parece a do progenitor, acreditando que afinal quem está na caixa é uma outra vítima qualquer e que o seu pai se encontra vivo.

Será a partir daqui, e após ele dizer à avó que vai ficar no local uns tempos, que partimos partimos para uma história que traça um retrato pessoal, local e nacional dos maiores dramas que o México atravessa nos dias que correm: o trabalho precário, na forma de escravatura moderna; as organizações criminosas que provocam frequentes desaparecimentos e mortes; e, segundo o cineasta, a frequente ausência de uma figura paterna na estrutura familiar mexicana. Com pulso firme, mas nunca rígido nas transições e no seu olhar cinemático, Vigas vagueia assim por várias camadas, sujeitando o jovem Hatzim a um crescimento forçado e uma assunção de maturidade a que não escapam múltiplas ambiguidades e conflitos internos, num percurso que vai desde a vítima ao predador. É que na verdade, a caixa que Hatzín transportava funciona como uma verdadeira “Caixa de Pandora”, carregando nela todas as desgraças do México atual.

E essas ambivalências, “bipolaridades” das personagens principais,  encontram igualmente reflexo na geografia do local, que varia entre planícies verdejantes, outras mais áridas e ainda áreas montanhosas carregadas de neve. E há ainda um contraste entre as novas formas modernas de produção e as mais tradicionais, além de no derradeiro momento do filme, o próprio cineasta cruzar a barreira que o afasta do cinema latino americano e atingir a frieza esplendorosa de um branco tingido a horror do cinema associado a Nuri Bilge Ceylan.

No final, temos assim um filme marcadamente introspectivo sobre a construção da personalidade que nunca consegue escapar da realidade e dos problemas sociais, políticos e até etnográficos que fazem do México um dos países com maiores disparidades na sua população. E isso leva-nos também ao cinema produzido e assinado por Michel Franco, que  já este ano nos presenteou com o filme de Teodora Mihai, “La Civil”, o qual também abordava “desaparecimentos“, mas fazia o percurso inverso: o de uma mãe à procura da filha.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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