Resumindo a experiência positiva que foi a 2ª fase do Festival de Roterdão, não houve filme mais poderoso que “Nudo Mixteco”, obra em estreia da atriz mexicana Ángeles Cruz.

Um filme impactante que reúne um tríptico poderoso de histórias centradas em mulheres indígenas do seu país, as quais têm de lidar de forma sistémica com a pobreza e machismo numa sociedade presa entre dois mundos: o das leis e morais nacionais; e a de pequenas comunidades com o seu próprio conselho decisor, onde a forma dominante continua a ser patriarcal.

E é um filme que não faz o seu trabalho social de forma manipuladora ou sentimental, nem tão pouco se apresenta na forma tradicional do filme mosaico (que o é), preferindo-se antes uma abordagem orgânica e crua, com o seu quê de contemporaneidade, mas com raízes clássicas bem incrustadas, que vão desde o neorrealismo ao olhar e análise etnográfica.

Na primeira dessas histórias acompanhamos Maria (Sonia Couoh), que partiu da sua aldeia para a cidade em conflito com os pais para trabalhar como empregada doméstica. Devido à morte da mãe, ela é forçada a regressar à sua aldeia para o funeral, sendo confrontada pelo pai pela sua orientação sexual. Depois temos a história de Chabela (Aida Lopez), cujo marido partiu para trabalhar na cidade, mas regressa passados uns anos impondo que os dois retomem a relação. E finalmente temos Tona (Myriam Bravo), vendedora num mercado da cidade que regressa à aldeia de onde é originária por temer que a filha esteja a ser abusada sexualmente pelo mesmo familiar que abusou dela em criança. 

Todas estas histórias fundem-se num objeto dramático poderoso que consegue conjugar três experiências individuais nos dilemas globais de como a sociedade vê e opera com as mulheres, fazendo uma radiografia social alarmante, onde a perseverança e sobrevivência de cada uma das protagonistas ganha um sentido universal.

No final, temos um filme de temáticas facilmente transformáveis em material sensacionalista capaz de provocar alarido, choro e lágrimas, mas a direção que Ángeles Cruz prefere dar ao seu trabalho é de grande discrição, conseguindo pelo meio uma profundidade rara para uma cineasta estreante, quer seja através do estudo individual das suas personagens, quer seja no da comunidade, transformando assim o pessoal em universal sem qualquer artificialismo.

E nisto, a agora realizadora afigura-se como um caso sério – que merece acompanhamento cuidado – para o futuro do cinema mexicano. É que se é verdade que esta nação tem sido das que mais talentos, reconhecidos globalmente, forneceu à 7ª arte nas últimas décadas (Alejandro González Iñárritu, Guillermo Del Toro, Alfonso Cuáron, Michel Franco, Amat Escalante, Carlos Reygadas), é também verdade que se sentia a falta de nomes no feminino e com impacto nestas paragens.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
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