“Undine“, o novo filme de Christian Petzold, que já nos ofereceu “Barbara”, “Phoenix” e “Transit”, é baseado numa personagem fictícia com uma longa história, principalmente literária. O filme começa com a personagem titular a declarar ao seu ex-amante, no momento da ruptura, que terá de o matar. A crueza e calma com que é dita a frase parece indicar mais do que a reacção emocional de alguém que se vê nessa situação e isso só aumenta quando, depois de abandonada, rapidamente tropeça noutro, numa história de amor apressada que não parece fazer muito sentido… a não ser para quem já conhecesse a dita personagem. E assim é o resto do filme, com todo o tipo de acontecimentos e simbologia que vai sempre roçando o sobrenatural, sem nunca o assumir verdadeiramente até ao final e que só são óbvios para quem está por dentro. Infelizmente para mim, não conhecia a personagem, o que se traduziu numa confusão constante e permanente até ao fim.
Paralelo a essa história de amor há, com o pretexto da profissão da protagonista, um constante comentário histórico ao desenvolvimento de Berlim, focando-se especificamente no caso paradoxal do Forum Humboldt, o antigo Palácio real, que foi reconstruído no séc.XXI à imagem do que era antes de ser demolido no pós-guerra. Para quem conhecer a personagem mítica, este elemento poderá dar horas de discussão sobre como estão interligados os dois e o que quer dizer o realizador com tudo isto, mas, para quem não conhecer, não serve para esclarecer a confusão. Pior, vai-se tornando tudo tão difícil de compreender que o filme acaba por ganhar contornos de “Breaking the Waves” de Lars von Trier, muito longe de onde o realizador parece querer ir.
Passadas algumas horas a pensar sobre a possível ligação entre os dois elementos, procurei então artigos ou entrevistas online que me pudessem ajudar a compreender o que tinha visto. Não posso dizer que tenha ajudado: se o filme ganhou alguma clareza (principalmente a nível dos acontecimentos), a narrativa parece encolher-se e tornar-se banal. O comentário sobre o desenvolvimento de Berlim torna-se quase desligado ou avançar teses sobre a História como impossibilidade de progresso que, vindos de uma personagem que está, literalmente, fora dela, são problemáticos. Com imagem bonita, com boas representações, mas sem o impacto de filmes anteriores. É como se a ambição formal de querer construir um mistério e avançar com uma tese sobre a História acabasse por se tornar um obstáculo para a narrativa e esta tivesse acabado esquecida. Não é um mau filme, mas não ao nível que o Petzold já nos tinha habituado.