Perante o puritanismo da corte de Louis XVI, vários aristocratas, confiando os seus mais íntimos desejos no libertino e livre Duque de Walchen (Helmut Berger), refugiam-se num bosque cercado pela escuridão do ocultismo (enquanto no seu interior comemorava-se o devaneio do iluminismo). Aí, após cumpridos os preparativos, estes homens e mulheres de requinte, prestígio e glamour são automaticamente desprovidos das suas “peneiras”, convertidos em seres rastejantes que farejam as fantasias idealizadas. O objetivo é apenas um: antes da morte chegar de madrugada há que matar o desejo, sendo esse envolvido de prazer, dor e humilhação.

De Albert Serra, o cinema é algo de inclassificável e despido de qualquer rigor na sua conceção. Desde a sua segunda obra – Honra da Cavalaria (2006) – o catalão tem inventado, experimentado e tentando com isso descobrir a sua noção de cinema. É uma descoberta sentida ao longo de 15 trabalhos (sejam longas, curtas ou ensaios performativos), que revê na mortalidade das suas personagens, o tremendo travessão para as suas próprias narrativas.

Com a Morte de Louis XIV, o antepassado do monarca “invisível” de Liberté, Serra confiou num dito ator profissional, a repugna vencida que tem proclamado no seu percurso enquanto cineasta, Jean-Pierre Léaud, da mesma forma que os decadentes elementos da nobreza e os seus serventes cegamente são guiados pela “sabedoria” de Walchen (uma distorção da imagem e filosofia do Marquês de Sade). Foi nesse exato filme que o ator apoderou-se da forma tosca com que Serra se dirige aos seus recontos, e nesse aparato, a morte citada é revelada na queda do enorme “imperador” e do seu legado. Aí, o realizador reinventou-se, mas foi sol de pouca dura, contextualizado pelo decorrer das experiências estampadas no ecrã de Liberté.

Há aqui um regresso à sua normalidade improvisada e, como tal, fora Léaud, o ego de Serra paira sobre o mato cerrado, sendo o espectador novamente embatido na experiência como fruto do acaso ao invés de reflexão. O que Liberté destaca frente à fase ante-Louis XIV é a sua subliminar linha-guia e o dito experimento que vai ao encontro das fantasias segregadas por Serra. A perversão contínua pontuada por um autêntico “freak show” de masoquistas, sodomia e barbaras resoluções para sedes secretas no foro sexual; o eros e thanatos (amor/vida e morte) que bailam inseparavelmente no breu da noite. A experiência de Serra é um objeto acidental que refresca o sexo como mero estatuto social, sobretudo de poder, assim como Pasolini o entendeu no mais radical dos seus filmes – Salò ou Os 120 Dias de Sodoma.

Portanto, em Liberté assistimos com repugna e em modo voyeurista estas excentricidades encenadas, por vezes intermináveis, como parte de uma performance coletiva incrustada e documentada em digital. Os atores parecem deambular sem orientação alguma por parte de Serra (talvez seja essa a libertação requerida de todo este processo), determinado aqui a cometer mais um mimo ao seu imbatível ego.

Com isto prova que é um piores e simultaneamente melhores cineastas do nosso tempo (eros e thanatos num só, como se consolida a sua obra); um homem refém das suas tentações e fantasias hedonistas que alimentam unicamente o seu paladar, deixando de fora a degustação do espectador.