Os irmãos Grimm transcreveram o conto que ficaria eternizado como Hansel & Gretel: o qual resumimos como duas crianças que, devido à desfavorecida situação, são abandonadas pelos próprios pais na floresta negra e que ao tentar regressar ao lar, deparam-se com uma casa feita de doces que abriga uma bruxa esfomeada. A história passou ao longo da sua existência por várias versões e narrativas, e com a passagem no audiovisual nada disso mudou, tornando-se inspiração para as mais diferentes variações: umas fiéis aos escritos da dupla de “contadores de histórias”, outras nem por isso.

Com Oz Perkins, realizador que tem dedicado a sua carreira a desconstruir o género do terror (basta relembrar o anti-climax de lume brando que é “Eu Sou a Cara Bonita que Vive nesta Casa”), o enredo das duas crianças “desnaturadas” é palco para uma bizarrice estética que afronta uma pseudo-emancipação feminina num prolongado sonho molhado. É um filme construído sob “maliquices”* que se apronta na expressividade da sua Gretel (aqui interpretada pela ascendente Sophia Lillis). Não é por acaso que o título é alterado (com o nome da ‘menina’ a surgir em primeiro). Oz Perkins decidiu criar toda aquela jornada pela sinistra floresta negra como uma alusiva apoteose à puberdade feminina, com claras misturas com outros célebres contos colecionados pelos Grimm.

É uma aventura gótica, com claras reflexões sobre a condição feminina e paciente na construção da sua atmosfera, nunca caindo no facilitismo dos “jump scares” e outras mecanizações do género pelos grandes estúdios. É na sua estranheza que encontramos um exemplar raro e cintilante. Mesmo com o breu que estas personagens enfrentam, tendo como a “bruxa-má” uma sempre sinistra Alice Krige (que em tempos foi uma das grandes vilãs do legado “Star Trek”).

Esperava-se fidelidade com o senso comum reconhecido deste intemporal conto. Ao invés disso, obtivemos um filme que capta o sombrio do desconhecido. Para dizer a verdade, não se via nada assim desde “A Companhia dos Lobos”, de Neil Jordan.

termo carinhoso para as marcas autorais de Terrence Malick, neste caso a voz off que acompanha um narrativa mais interior que exterior

Pontuação Geral
Hugo Gomes
gretel-hanselUm dos mais célebres, e quiçá mais sombrio, conto dos irmãos Grimm, recebe nova vida sob a batuta de Oz Perkins.