Não devemos entrar no equivoco de considerar o primeiro Child’s Play (Chucky, O Boneco Diabólico), estreado em 1988, como algo incontornável na história do terror, até mesmo na indústria de género. A verdade é que o sucesso do serial-killer que possui um boneco para prolongar o seu legado de terror conseguiu atingir um estatuto de culto ainda hoje em voga e que fomentou diversas sequelas, incluindo alguns títulos que resistem num extinto mercado direct-to-video. Talvez seja por isso, o facto de Chucky nunca ter sido levado a sério no panorama, que fassa com que um remake não seja visto como uma ofensa às nossas memórias.

Obviamente que o objeto dirigido por Tom Holland no final da década de 80 é atualmente encarado com uma certa elegância e até mesmo uma ocasional construção de uma atmosfera característica, elementos dos quais a nova versão emancipa-se, porém, convém afirmar que o espírito de Chucky se mantêm vivo, e não literalmente. O ridículo do bruxedo e vudu do anterior, que atribuía um lado assumidamente B ao enredo, é despachado para o enésimo conflito da inteligência artificial ou protótipo da mesma. Tudo começa quando um funcionário da empresa Buddi (ao invés dos anteriores Good Guys) decide anular todos os protocolos de segurança no programa de um dos seus bonecos, resultando numa “criatura” que tenta assimilar afetos tóxicos para com o seu proprietário, neste caso Andy, um adolescente de difícil encaixe social. Claramente que esta obsessão converte-se num gosto homicida (anulando a intencionada má indole da personificação de ’88).

A voz de Mark Hamill, o eterno Luke Skywalker e não só, um dos mais requisitados atores vocais do setor da animação e videojogos (foi o ator que interpretou mais vezes Joker, o némesis de Batman, nas diferentes plataformas), aufere um cadência robótica e inexpressiva à personagem, que com o auxilio do trabalho de efeitos práticos (Chucky é 100% animatrónico) tornam-se verdadeiros pesadelos  com o vale da estranheza. E este véu negro na figura antagonista direciona o seu lado “comedy horror”, não na personagem em si (como fazia a encarnação de Brad Dourif), mas no percurso sangrento de Chucky. O gore escapista, pontuado de humor negro, é um dos vínculos diretos para com o franchise original e é aí que reside o espírito restaurado.

Este Child’s Play é um filme de tendências e essas mesmas constituem a sua barricada, desde a inserção dos jovens grupos (algo tão anos ’80, novamente na moda graças a sucessos como Super 8, Stranger Things e It) como parte fulcral no desenvolvimento narrativo (equilibrando o humor com o terror imposto com inúmeras referências e “easter eggs” de um universo especifico), até aos exageros dignos das milésimas sci-fis de insurreição robótica e as mais que citadas e formalizadas regras do género (há quase um ditado de Scream: Gritos em todo este efeito).

Contudo, apesar de um produto de estúdio sem escapatória, eis uma versão modernizada com alguma alguma alma embutida (atenção, já não falamos de espírito aqui). Existe um certo cuidado na coerência do seu enredo, mesmo quando este parte para a esfoliação jubilante, com o desempenho do seu elenco a conseguir garantir credibilidade nas personagens (Aubrey Plaza, Brian Tyree Henry e Gabriel Bateman). São pormenores,  mas não só, que nos garante uma viagem fluida em contraposição com uma realização sem espírito e previsivel de Lars Klevberg.

Talvez seja um daqueles casos na moda de refilmagens do terror de sucesso, em que a “cópia” está lado-a-lado com o original. Só é preciso não depositar fé nas elevações.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
Jorge Pereira
child-s-play-o-boneco-diabolico-por-hugo-gomesCom sequelas intermináveis e cada vez mais ridículas, Chucky precisava urgentemente de um upgrade. A questão é se será esta a requisitada versão.