O Brasil tem uma longa tradição dramatúrgica e é evidente que o novo filme de Júlio Bressane funciona como uma sociedade entre o Cinema e o Teatro, dois mundos distintos, mas unidos por similaridades (aliás existe algo de teatral na transfiguração do Cinema enquanto arte independente). Munido de uma longa carreira, o autor foi um dos braços fortes do “udigrudi” no cinema, um movimento underground que contagiou toda uma variedade de plataformas nos anos 70. Passadas décadas, a sua cinematografia afastou-se a passos largos das tendências predominantes da indústria brasileira, sendo que atualmente o seu cinema tem mais requinte artístico do que a veia realista que parece ser a regra.

“A Erva do Rato”, a sua última obra a estrear em Portugal (e com uma estreia discriminada, por sinal), é uma autêntica metáfora filmada, a começar pelo título, uma planta venenosa cujo antídoto se encontra na sua raiz.

Livremente inspirada nos contos “A Causa Secreta” e “Um Esqueleto” de Machado de Assis, conta uma história de obsessão, com influências de Brisseau e aborda a veia artística e a sensualidade sob o código das mesmas palavras. Um cinema tão artístico que tudo nele se rege por uma artificialidade indiscutível e que, em simultâneo, incute elementos do primitivismo. É o espírito animal, como elemento, que alude à irreverência ou à rebeldia emocional, imposto numa ratazana que parece manifestar-se por autonomia como uma personagem, mais do que mero símbolo poético, nesta obra que condensa o desejo com a rotina.

Alessandra Negrini e Selton Mello são os peões deste “palco” projetado por Júlio Bressane, envolvidos por um clima místico de evocação às artes negras, na subtileza deste ensaio que revigora o teatro, e não falamos apenas da extensa exposição da mise-en-scène, como raiz de uma cinematografia em constante metamorfose. “A Erva do Rato”, tal como a planta que presta tributo, é puro veneno em consolidação com a sua cura, a dualidade entre a simplicidade e a complexidade. A Arte como objecto de contemplação de beleza.