Provocador e desafiante, mas nunca transgressor, o antigo jornalista de publicações como Esquire e Rolling Stone, Michael Rozen, pega numa das atrizes mais marcantes da contemporaneidade, Isabelle Huppert, para fazer uma reflexão sobre o cinema e o seu papel como um espelho do real. Tudo em inglês, sublinhado -a partir de certo momento – por legendas impactantes de “auxílio” a capturar a atenção do espectador (ou a não perdê-lo), Marianne”, que estreou mundialmente no Festival de Cinema de Turim (Torino Film Festival), é, acima de tudo, um registo intelectualmente irritante, embora lúcido.

E carregamos a bold o adjetivo “irritante” como uma forma de elogio ao realizador, o qual nunca abdica de uma postura sempre reptante enquanto lança para o ar alguns temas que capturam o zeitgeist da era audiovisual que vivemos.. “O que é que querem que diga?” ou “Quem são vocês?”, questiona Huppert, que aqui assume o papel de Marianne Lewandowski, de origem polaca.

Passado na sua maioria numa sala, onde Huppert, sentada no sofá, vai lendo um guião que se revela um ensaio teórico, “Marianne” não mostra indignação pelas palavras mais modernas [que tanto irritam Scorsese] como “conteúdos”, mas não perde tempo em desancar na palavra “narrativa”, que agora se usa mais em detrimento de plot ou script. Logo depois, ironiza com a necessidade – ou dependência – de que surja um atrito na história, algo essencial para que, mais uma vez, o espétaculo se prolongue e leve o espectador consigo. 

Esta coisa do “agarrar” ou “perder” a audiência tem o que se lhe diga e, ainda antes de expressar a irritação pela  tal palavra “narrativa” e necessidade do “atrito”,  Huppert, ou Marianne, como preferirem, já nos tinha advertido que provavelmente já perdeu a audiência quando o seu monólogo inicial dispersou para o tema do jazz e Thelonious Monk. “Já vos perdi, certo?”, diz de forma cáustica, sempre quebrando a já famosa quarta parede, estando nas entrelinhas da secura da sua afirmação uma notável fuga do espectador quando lhe surge pela frente qualquer coisa um pouco mais intelectual que o escapismo do entretenimento.

Carregando no acelerador que mede irritações, Rozen chama à conversa Bergman e, particularmente, Andrei Tarkovski e o seu “Esculpir o Tempo”, falando do tempo, mas também de máscaras, gozando explicitamente com a nossa cara ao dizer que nos vais arrastar por 90 minutos esta viagem pilotada por Huppert sem um destino real ou uma conclusão. Na verdade, o realizador cria um circo lento de provocação às expetativas da audiência, a qual, no terço final, é ainda brindada com um reflexão sobre o amor, agora com Marianne longe do sofá.

A verdade é que “Marianne”, o filme, é um objeto que tenta despertar o público sobre questões complexas, mas – acima de tudo – acirra-o a reiniciar a sua mente após a fomatação imposta pelo mercado do storytelling linear. E “Marianne” só existe para ter carreira em festivais e cineclubes, pois o mercantilismo das salas de cinema em geral teria um pavor mórbido de sequer equacionar exibi-lo.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
o-que-e-que-querem-que-a-marianne-vos-diga Provocador e desafiante, mas nunca transgressor, o antigo jornalista de publicações como Esquire e Rolling Stone, Michael Rozen, pega numa das atrizes mais marcantes da contemporaneidade, Isabelle Huppert, para fazer uma reflexão sobre o cinema e o seu papel como um espelho do real....