Peter Farrelly é o realizador do sobrevalorizadíssimo “Green Book – Um Guia Para a Vida“, o filme que venceu o Óscar de Melhor Filme em 2008, e que contava a história improvável (mas apoiada em factos verídicos) do pianista Don Shirley e da sua digressão pelo sul americano, juntamente com um motorista ligado ao submundo do jogo. Estávamos então na década dos anos 1960, numa sociedade segregada e assolada pelo racismo: o “green book” do título era também um guia informal onde se encontravam assinalados motéis e restaurantes que (pelo menos até certo ponto) garantiam passagem segura a pessoas negras.

Um Brinde à Amizade”, na medida em que se pode considerar o esqueleto narrativo e visual do filme oscarizado uma receita, parece ter uma consciência muito aguda dos contornos dessa fórmula. Volta a fazer a reconstrução histórica de uma época lida à luz dos temas mais quentes e mediáticos da realidade política (desta vez é a guerra do Vietname), e segue de perto o essencial de uma história verídica: o borrachão do bar do costume (Zac Effron, inconsequente como sempre) ganha uma súbita consciência política depois de assistir a um protesto anti-guerra e num gesto “redentor” decide cumprir o seu dever “patriótico”, o que no seu caso em particular equivale a algo de muito estúpido e absurdo: entregar em mão cervejas aos seus amigos que se encontram a combater no Vietname.

É uma premissa que parte do livro autobiográfico de Chickie Donohue (o borrachão protagonista, naturalmente), e que com alguma boa vontade até podia ser matéria prima para o tipo de comédia esgazeada que Farrelly fez no passado, mas que em “Um Brinde à Amizade” se resume a uma palavra: desastre. Logo a começar pelo esforço da reconstrução histórica, com um detalhe e fidelidade ao nível de um sketch de Saturday Night Live; mas também pela inconcebível incapacidade em retirar o mínimo de vestígio de humor de uma premissa à partida tão ridiculamente absurda. E se nem no humor Farrelly consegue acertar, o que dizer do esboço de comentário político que volta e meia se assoma na narrativa? Pálido retrato das convulsões civilizacionais que fazem da guerra uma das grande tragédias humanas, fica-se com a impressão que Farrelly nos vem dizer que o Vietname é coisa séria, e sangrar a juventude de uma nação em vão é má ideia. Quem diria…

Se isto foi aposta da Apple TV+ para os Óscares, ficámos melhor servidos com “No Ritmo do Coração”.

Pontuação Geral
José Raposo
um-brinde-a-amizade-doidos-pelo-vietname Pálido retrato das convulsões civilizacionais que fazem da guerra uma das grande tragédias humanas, fica-se com a impressão que Farrelly nos vem dizer que o Vietnam é coisa séria e sangrar a juventude de uma nação em vão é má ideia. Quem diria…