Filme tão contraditório quanto o seu tema, a longa metragem de Romain Gavras (para sempre conhecido como o filho de Costa-Gavras e o realizador de videoclipes para a M.I.A – o que apesar de tudo não será propriamente uma má linhagem) ocupa-se das fracturas mais salientes (e mediatizadas) da sociedade contemporânea francesa, olhando para as lutas dos subúrbios com uma sensibilidade espectacular, uma atitude que em “Athena“, o bairro fictício com aura de mito que dá o título ao filme,  anda de mãos dadas com uma vontade em dar forma cinematográfica àquilo que Gavras considera ser a mais crua das realidades: eis o mundo mediático enquanto matéria prima do mito. 

Enquanto filme, “Athena” vive sobretudo de uma exuberância técnica, uma mobilização impressionante dos códigos do cinema de ação para o junto do cinema com preocupações sociais, mas que nem por isso impede que se instale uma pesada monotonia à medida que a narrativa se desenrola – em boa verdade, fica-se com a impressão de que a linguagem do filme se esgota nos primeiros 10 minutos. Trata-se de um longo plano sequência, um movimento de abertura com tanto de operático como de pirotécnico, onde Gavras vai dispondo as peças do xadrez social com uma urgência orquestral: uma conferência de imprensa numa esquadra da polícia onde se procuram acalmar os ânimos provocados pela publicação em vídeo de um violento assassinato policial, cedo se transforma numa descida ao inferno suburbano, uma erupção de violência incendiária desencadeada pelo assalto à esquadra pelos moradores do bairro social à procura de vingança. 

É um ambiente de guerra civil, onde o público e o privado se cruzam numa história centrada em quatro irmãos de origem argelina, numa lógica que não vai muito além de um longo efeito especial. E num filme que se serve de largas centenas de extras, é sob Abdel (Dali Benssalah) que mais se sente o peso do compasso moral do filme. Um soldado condecorado do exército francês, Abdel vive na pele o dilema de encontrar um caminho justo perante a tragédia, uma tragédia familiar que lhe roubou o irmão mais novo (Ibdir, o jovem brutalmente assassinado pela polícia no vídeo que desencadeia toda a revolta), e que o obriga a uma negociação constante entre as suas origens e o seu estatuto na sociedade, em particular pelo confronto com o irmão Karim (Sami Slimane), um dos principais “agitadores” de todo o caos que toma de assalto o filme, e uma figura que encarna o espírito de Athena – pelo menos aos olhos de Gavras. Tudo suficientemente esquemático, sempre mais próximo de um recorte iconográfico e não tanto de um realismo psicológico, numa balança narrativa que não deixa de se desequilibrar com a inclusão de Moktar (Ouassini Embarek), o outro dos irmãos que não se move propriamente por outra causa senão a do seu negócio de tráfico de droga. 

É um filme desequilibrado e brutalmente exuberante, até mesmo pela forma como o realismo cru e intempestivo nunca consegue ganhar a força de um retrato social capaz de se soltar do seu próprio simulacro.