De regresso ao grande ecrã, Johnny Depp continua igual a ele mesmo: um ator em piloto automático, todo ele um catálogo de tiques e maneirismos que chamam pelo nosso olhar como um cão abandonado à chuva, numa lógica que mais depressa nos aproxima de Depp enquanto homem e personalidade do mundo do espectáculo, e não tanto do universo narrativo do filme que temos em mãos. Ainda assim, mesmo nesta fase da sua carreira, para todos os efeitos tardia e não muito interessante, encontramos nele e nos seus filmes uma chama que não sendo propriamente reconfortante, tem a capacidade de nos confrontar com modos de viver que trocam o que de mais boçal e acessório pode haver no quotidiano, por uma liberdade capaz de trazer outro sentido ao mundo.

No fundo, poderia muito bem ser esse o extraordinário talento de Depp, uma vontade em trocar as voltas ao rumo do tempo, e pelo caminho (con)fundir-se com os personagens que veste. “O Fotógrafo de Minamata”, filme de 2020 que chega agora às nossas salas, conta a história de W. Eugene Smith, o fotojornalista da revista Life que teve um papel importante na denúncia pública do desastre ecológico ocorrido em Minamata, uma cidade piscatória japonesa onde os detritos industriais das fábricas da Chisso Corporation contaminaram com mercúrio a rede pública de abastecimento de água, um “acidente do progresso” que durou décadas e que ditou a morte e o sofrimento de milhares de pessoas.

Realizado por Andrew Levitas (naquela que é a sua segunda longa-metragem, depois de “Lullaby”), o filme faz âncora na figura de Smith, uma personalidade tão dificil quanto apaixonada (pela fotografia, mas também pelas anfetaminas e pelo álcool, o que normalmente resulta numa paixão desencantada pelo mundo), e que antes de ter abraçado o desafio de documentar as consequências do desastre vestia sem grande pesar o papel de artista recluso, sem muita paciência para lidar com o rumo editorial da revista – estávamos, afinal de contas, nos inícios da década dos anos 1970, e a imprensa aprendia a lidar com a intromissão da televisão nos hábitos culturais (digamos assim) do grande público.

Não sem ironia, é na consequência de um “biscate” publicitário para a Fuji que se cruza justamente com Aileen Smith (Minami), a tradutora de uma agência de publicidade japonesa com que acabaria por casar, e que partilha consigo aquilo que se passa em Minamata. O filme não aprofunda muito o momento que Eugene atravessa, mas foi graças a esse trabalho que financiou uma retrospectiva do seu trabalho para o Jewish Museum de Nova Iorque. Na verdade, Levitas (que para além de realizar também colaborou na escrita do argumento) faz da vida de Smith um recorte superficial e propenso ao “soundbyte”, e se isso não afasta propriamente o filme do território dos “biopic” insossos ainda que minimamente competentes, nem por isso deixa de ser o tipo de abordagem que não vai muito além do óbvio.

E o óbvio aqui é mostrar tudo, numa narrativa que acompanha o fotógrafo nos seus primeiros dias no Japão e que se desenrola à medida que Smith vai ganhando a confiança da população e toma ele mesmo conhecimento em primeira mão da dimensão do problema, sobretudo da “realidade” das consequências do envenenamento por mercúrio. Com desvios pouco inocentes quanto à biografia de Smith (um exemplo entre tantos: não foi graças a Aileen que Smith ficou a par do desastre, mas sim devido ao esforço de um grupo ativista que o contactou com o propósito de poderem contar com a sua ajuda na denúncia da tragédia), Levitas não se rende em absoluto aos excessos estilísticos que frequentemente se encontram em filmes que abordam outras artes, mas mesmo sem delírios românticos quanto ao papel da arte na documentação da realidade do mundo, “O Fotógrafo de Minamata” não deixa por isso de pender mais para o lado iconográfico da história – é sobretudo um filme sobre redenção – do que para o papel da verdade na construção de uma sociedade.

Pontuação Geral
José Rapos
o-fotografo-de-minamata-a-fotografia-que-mostra-tudoSem delírios românticos quanto ao papel da arte na documentação da realidade do mundo, "O Fotógrafo de Minamata" não deixa de pender mais para o lado iconográfico da história - é sobretudo um filme sobre redenção - do que para o papel da verdade na construção de uma sociedade.