Da já longa série de remakes dos clássicos de animação que a Disney tem vindo a produzir ao longo dos anos, o mais recente “Pinóquio” será um daqueles momentos que não ficará para a história pelas melhores razões. Com uma produção atribulada – o filme chegou a ter vários realizadores associados ao projeto, tendo ambos, Paul King (responsável pela franquia “Paddington”) e Sam Mendes, acabado por se afastar – esta nova versão cinematográfica do romance publicado por Carlo Collodi em 1883 acabou mesmo por ir parar às mãos de Robert Zemeckis. 

Zemeckis, um nome com longa experiência no mundo da animação (“Quem Tramou Roger Rabbit?”, “Polar Express”), voltou a contar com um dos seus habituais colaboradores para trazer ao grande ecrã a história do menino feito de madeira que sonha tornar-se numa criança real, mas nem por isso a presença de Tom Hanks no papel de Geppetto, o velho carpinteiro que dá vida a Pinóquio, foi capaz de despertar interesse naquele que é, para todos os efeitos, um enfadonho e saturado universo de live-action

Vista de certa maneira, esta estética hiperrealista, possibilitada pelo cruzamento da animação feita a computador com elementos do mundo real, faz do filme de Zemeckis um longo efeito especial  – e se não há nada de fundamentalmente errado nessa abordagem moderna aos códigos da animação, o mesmo não se poderá dizer da sua execução. É, aliás, penoso que uma produção com recursos apenas ao alcance de um estúdio como a Disney, aparente limitações tão óbvias naquela que seria a principal justificação para a existência do remake.

Particularmente sofríveis, as célebres e icónicas sequências no mar que envolvem o animal marinho que engoliu os dois protagonistas, não só não ficam na memória, como envergonham o legado de um estúdio cuja história se cruza com a própria história da animação. Do encanto do original nem sombras, e a sensação com que se fica é que o filme de 1940 nem sequer é propriamente invocado com a reverência que seria de esperar.

De resto, o filme acompanha no essencial uma narrativa que a todos nos é familiar, permitindo-se ainda a ocasionais comentários que, resistindo apesar de tudo a impulsos de “atualização”, não deixam de funcionar como breves comentários ao mundo em que vivemos. É o caso da passagem pela Ilha do Prazer, naquela que é ainda assim a sequência mais conseguida do filme, onde consta uma espécie de “palanque do desprezo”, um espaço onde as crianças berram injúrias e ofensas, ultrajes filmados por aquilo que poderia ser entendido como uma espécie de proto-cinema que transmite em ecrãs os seus discursos de ódio – eis um meta-comentário ao circo mediático da contemporaneidade.

“Atirado” diretamente para oceano de streaming da Disney+ e sem passagem pela sala de cinema, não vai deixar muitas saudades.

Pontuação Geral
José Raposo
pinoquio-quem-tramou-a-animacaoDo encanto do original nem sombras, e a sensação com que se fica é que o filme de 1940 nem sequer é propriamente invocado com a reverência que seria de esperar.