À terceira longa-metragem, Babak Anvari deixa cair a vaga promessa de um certo fulgor temático e narrativo que os seus anteriores filmes pareciam ter deixado no ar, em particular o anterior “Wounds“, filme que reunia (o entretanto cancelado) Armie Hammer e a norte-americana Dakota Johnson num universo não muito distante daquilo que poderíamos pensar como um exercício de body horror alimentado pelas paranoias de um mundo cada vez mais digital. Anvari, realizador britânico-iraniano, tem feito a sua carreira em plataformas de streaming (Hulu no mercado norte-americano, e a Netflix no mercado internacional), e se isso não explica a forma como o seu corpo de trabalho tem evoluído, deixa ao menos a impressão de continuar a não conseguir expressar uma veia autoral que nos parece ainda assim latente.

I Came By“, troca a Nova Orleães queimada pelo sol do anterior Wounds, por uma Londres noturna, mas nem por isso se nota uma maior habilidade em pensar o mundo pela lente do cinema género, ainda que essa proximidade se faça sentir de forma mais vincada. Parte do desacerto do filme passa desde logo pelo desequilíbrio do elenco (precisamente o oposto de “Wounds, um filme onde o elenco disfarçava as lacunas formais mais evidentes): nem George MacKay nem Percelle Ascott, os jovens graffiters que invadem as casas de gente rica para aí deixar o tag do título como forma de aviso, são verdadeiramente capazes de encaixar na atmosfera de negrume que a todo o custo se quer assomar, mas que nunca chega a ter uma presença palpável. E o filme até nem começa mal, com a exposição narrativa onde vemos o método de operação da dupla a fazer lembrar vagamente as preocupações temáticas de “Os Edukadores“, o filme realizado por Hans Weingartner, com Daniel Brühl e Stipe Erceg nos papéis principais, numa piscadela de olho que tem todo o ar de ser propositada mas que se encontra lamentavelmente a anos luz desse seu antepassado distante.

A partir daí é sempre a perder, numa queda para o abismo sem retorno que começa a ganhar forma quando Anvari sobe a parada de forma, apetece dizer, ingenuamente alucinada. Raros são os momentos em que um bluff de um cineasta é imediatamente topado, mas é precisamente isso que acontece quando a dada altura aparece pela banda sonora dentro um dos temas compostos por Henry Purcell para o funeral da Raínha Maria II de Inglaterra, a composição imortalizada para cinema na célebre versão de Wendy Carlos para o “Laranja Mecânica” de Stanley Kubrick. E é também por aí, nesse cruzamento de referências que tem mais de algorítmico que de cinematográfico, que mais se sente a confusão que paira neste “I Came By“. Para não irmos muito mais longe, basta pensar na forma atabalhoada como a mãe de um dos graffiters (a excelente Kelly Macdonald, num papel que pedia em definitivo mais filme), se vê implicada na investigação do desaparecimento súbito do seu filho face à incompetência ou inação da polícia, uma oportunidade perdida para invocar de forma mais assumida uma costela giallo.

E no entanto, salta à vista apesar de tudo a forma como uma crítica a um passado (e presente) colonialista, racista e homofóbico é aqui figurada não só com a mão pesada dos rodriguinhos narrativos do género, mas também pelo recorte de arqui-vilão do juiz que num primeiro momento é vítima das ações dos graffiters, mas que cedo se revela no centro conceptual do filme, numa inversão de papéis que não deixa de dar um ar da sua graça, até mesmo pela forma como certos adereços prefiguram preocupações temáticas: raras são as vezes em que um taco de cricket teve tanto, digamos assim, peso narrativo. Não é suficiente para salvar o filme, mas não matam por completo a curiosidade pelo próximo.

Pontuação Geral
José Raposo
i-came-by-rebeldes-por-uma-causaÀ terceira longa-metragem, Babak Anvari deixa cair a vaga promessa de um certo fulgor temático e narrativo que os seus anteriores filmes pareciam ter deixado no ar, em particular o anterior "Wounds"