O filme de Aly Muritiba conta a história de um amor impossível. É a história de Daniel (Antonio Saboia), um polícia a ser investigado por uso excessivo de força e sem outra hipótese senão a de recorrer a trabalhos de segurança privado, e que a dada altura da sua vida se apaixona por Sara (Pedro Fasanaro), uma mulher que conhece na internet. E é por Sara que decide largar tudo, numa viagem pela estrada fora por um Brasil incandescente que tem tanto de paisagem mitológica (um espaço onde o controlo sobre a natureza nos aparece como sinal do progresso), como de “sociológico”, em particular pela maneira como as relações com o trabalho aparecem na segunda metade do filme.

E esse tudo corresponde ao percurso narrativo durante o primeiro terço do filme: “Deserto Particular” é pois uma obra que se apoia numa certa desenvoltura formal para ir ao encontro de si mesmo, como se a própria história de Sara e Daniel se espelhasse na própria textura dramática. Quando o genérico cai, mais coisa menos coisa, à passagem da meia hora, a reação de genuína surpresa, não sendo difícil de antecipar que aquilo que se segue é um filme substancialmente diferente e, até certo ponto, imprevisível. Uma mudança que corresponde a um afastamento de uma situação familiar difícil (Daniel tem o pai com problemas mentais à sua responsabilidade), uma fuga que não é propriamente esmiuçada em termos narrativos, uma decisão do realizador que acaba por intensificar o sentido dessa busca por Sara.

E é à medida que Daniel se vai aproximando desta sua segunda metade evasiva, que o filme também se vai progressivamente transformando, numa cinematografia que superficialmente pode fazer lembrar um cruzamento entre a fotografia de Roby Muller num filme como “Paris, Texas”, e a incandescência néon de “Spring Breakers”. É uma das qualidades mais sedutoras do filme, embora seja também simultaneamente o seu lado mais frágil: se em momentos é motivo de situações de genuína intensidade dramática, não deixa também de se sentir que a dada altura se esgota em si mesma, correndo o risco de se tornar num mero artificio ou “efeito especial” sem nada mais a dizer.

Filme de contrastes, “Deserto Particular” procura dar conta das lutas do Brasil moderno, uma modernidade que afinal também é a nossa: a procura de um sentido para o corpo num velho mundo.

Pontuação Geral
José Raposo
Jorge Pereira
deserto-particular-a-procura-do-brasilFilme de contrastes, “Deserto Particular” procura dar conta das lutas do Brasil moderno, uma modernidade que afinal também é a nossa: a procura de um sentido para o corpo num velho mundo.