As dificuldades do retorno à vida civil de soldados marcados pelas consequências morais e mentais de guerras implacáveis, têm sido uma fonte inspiradora para muito do cinema que tem surgido nas telas nos últimos 50 anos, especialmente depois do desaire americano no Vietname. De “O Caçador” a “A Fúria do Herói”, passando por exemplos bem recentes e comerciais como o “Dog” de Channing Tatum, a psique do pós-guerra e a busca de normalidade serviu de base para investigações particulares a indivíduos, que no final das contas mostram traumas coletivos de toda uma geração.

Sentinelle Sud”, em competição no Bergamo Film Meeting, oferece mais um olhar vincado neste tema, acompanhando Christian Lafayette, um soldado do exército francês, interpretado por Neil Schneider,  que voltou para casa depois de uma missão no Afeganistão que deu para o torto e provocou inúmeras vítimas civis, incluindo crianças.

A total inabilidade deste homem em conseguir manter relações sociais, além daquelas pessoas com que confraternizou na guerra, saltam à vista, além dos frequentes episódios psicóticos com que tem de lidar, tão derivados do consumo excessivo de álcool como de drogas, ou intrinsecamente conetados ao stress pós-traumático.

Mas indo além disso, o filme não despeja (apenas) na guerra a culpa do estado mental e as decisões de Christian. Ao invés, mostra pelas entrelinhas o abandono emocional e afetivo que a personagem já tinha sido submetida antes de partir para o conflito, acrescentando nas conversas deste homem com o seu amigo Mounir (Sofian Khammes) algumas sequelas de difícil relação entre uma geração de franceses descendente de argelinos . As primeiras sequências do filme servem mesmo como resumo de toda a luta interna de Christian contra os seus demónios internos, repetindo-se o mesmo com Mounir, com quem tem uma relação de verdadeira fraternidade.

Apesar da óbvia veia de realismo social, com uma componente de comentário político inerente, que o realizador Mathieu Gérault incute no seu filme, existem ainda outras camadas que nos levam para terrenos do policial ao heist movie de tom noir (na tentação do crime), passando também pelo romance dramático (inabilidade afetiva), sempre com uma  estética e formalismo mais em linha com os filmes americanos dos anos 70, onde a ação é mais contida e menos recambulesca que a que o cinema atual se vê obrigada a mostrar. Por isso, “Sentinelle Sud” sente-me mais na intersecção de um Sidney Lumet, Michael Cimino e Alan J. Pakula, que um objeto à Clint Eastwood (American Sniper) , Kathryn Bigellow (The Dark Hour) ou David O. Russell (Três Reis).

Pontuação Geral
Jorge Pereira
sentinelle-sud-a-dificil-transicao-da-vida-militar-para-a-civil“Sentinelle Sud” sente-me na intersecção de um cinema que era típico em Sidney Lumet, Michael Cimino e Alan J. Pakula