A solidão na modernidade, normalmente (mas não exclusivamente) ligada a empregos precários, tem sido abordada cuidadosamente nos últimos anos, com títulos como este “Aloners” ou “Zero Fucks Given” a mostrarem realidades e geografias distanciadas, mas próximas no que concerne a problemas do indivíduo na sociedade capitalista.

E se Cannes assistiu à chegada de “Zero Fucks Given”, retrato de uma hospedeira de bordo numa companhia low cost, foi Toronto a abrir as portas ao drama em estreia da escritora e diretora sul-coreana Hong Sung-eun, uma história urbana passada quase exclusivamente entre um call center de uma empresa de cartões de crédito e o bloco de apartamentos onde vive Jina, uma mulher de 20 anos carregada de uma aparente frieza que, mesmo depois da mãe, falecer mantém a ideia de distância física para com o pai, embora o siga através de uma câmara instalada no apartamento deste. Na verdade, distanciamento de contactos sociais é a palavra chave do seu dia a dia, representando assim a sua persona uma quase antítese à positividade e felicidade que tenta transmitir aos seus clientes, com quem mecanicamente fala diariamente através de um telefone.

As coisas mudam progressivamente quando o seu vizinho do lado, um rapaz que metia frequentemente conversa com ela, mas que ela ignorava, morre num acidente surreal que envolve uma pilha de pornografia, e a chegada de uma nova colega de trabalho, a qual sempre com um sorriso nos lábios e uma palavra a dizer começa a tentar interagir com ela.

Com uma boa prestação de Gong Seung-yeon, em estreia no cinema após várias presenças televisivas, a captar as ansiedades da sua personagem talentosa, mas enclausurada numa apatia emocional onde se escondem incertezas e sentimentos que a prendem a um sistema de rotinas, Hong Sung-eun entrega um filme contido e elegante, sem qualquer histeria social mas uma mensagem de maior contacto (real) para escapar à marginalização social.

É uma estreia delicada que vive de muitos silêncios e omissões, e mais tímida que espampanante na utilização dos artifícios técnicos e das armas do enredo. E num processo onde a cineasta ora escolhe a via frontal, ora se esconde em situações e simbolismos alegóricos, Hong Sung-eun traça um retrato clínico de uma certa geração que, ainda antes da pandemia que vivemos, se esperava crescer exponencialmente e provocar um sério problema social no futuro.