Seja como argumentista de “The Yakuza” de Sydney Pollack e “Taxi Driver” de Martin Scorsese ou como realizador de “First Reformed”, Paul Schrader mantém a senda de contar histórias sobre homens solitários consumidos pela própria culpa. São figuras nas margens da sociedade americana que, enquanto lutam, procuram perdão, a sua redenção.

Em “The Card Counter – O Jogador” essa figura cabe ao ex-interrogador militar e ex-presidiário William Tell (Oscar Isaac), que durante os seus anos encarcerado aprendeu a contar cartas e a dominar blackjack e poker. Vagueando pelos corredores dos casinos, mesa a mesa, vai ganhando dinheiro e sobrevivendo, sem alertar a segurança. Até ao dia em que o passado o alcança.

Num drama lento que se esforça para se tornar um thriller de vingança, Paul Schrader em modo filme noir dos anos 70, conecta o mundo dos casinos com a história sombria da prisão de Abu Ghraib no Iraque, onde membros do Exército dos Estados Unidos e da CIA cometeram várias violações dos direitos humanos.

É esta a tormenta de Tell, uma personagem a que Isaac atribui a características dos heróis noir, como um Humphrey Bogart ou Robert Mitchum estóico, sereno e firme que nos vai narrando as probabilidades e filosofias de vários jogos de casino. Mas não nos permite entrada à sua vida anterior e interior.

Com ritmo glaciar, pincelado com algum humor, Schrader joga com o mistério e as incertezas do público para com Tell, subvertendo as nossas expetativas. Tell é impenetrável, vive de motel em motel, onde a cada chegada, como sistema, envolve todos os móveis em lençóis brancos e senta-se a escrever. Atinge assim a sua paz de espírito. A única coisa que sabemos sobre este homem é que mantém uma “poker face” e na verdade, nem parece ter trunfos na manga.

Por tal, numa parte significativa de “The Card Counter – O Jogador”, somos inebriados pela energia crepitante de Tell/Isaac. É este quem controla a tensão emergente enquanto lida com as tentações atiçadas pelo jovem Cirk (Tye Sheridan) e La Linda (Tiffany Haddish), traumas, injustiças e pesadelos.

Pesadelos esses onde Paul Schrader não se poupa a apresentar-nos violência explícita. Vagueando pelos corredores da prisão, cela a cela, vemos nas memórias de Tell (sob a distorção de uma lente VR ultra-angular) os blast-beats de violência dos abusos por si infligidos. E também uma personagem intrigante: o incólume e intocável Major John Gordo (Willem Dafoe), figura (fictícia) predominante nos atos de Abu Ghraib, nunca julgado pelos seus crimes. A montagem paralela destas cenas com transmissões noticiosas sobre tortura por soldados norte-americanos, assimila em si a carga política e dá-nos a chave para compreendermos Tell e o que Schrader pretende.

Mas era só olhar para as cartas em cima da mesa. Eterno súbdito de Robert Bresson, basta lembrarmos-nos que Schrader é autor de filmes sobre homens com tendências autodestrutivas. Em “The Card Counter – O Jogador”, não é difícil perceber qual será a sua última cartada.

Crítica de José Raposo na página 2

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Pontuação Geral
Daniel Antero
Jorge Pereira
Guilherme F. Alcobia
José Raposo
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