Até onde pode o estado ir para combater forças devastadoras que escapam às regras ou padrões e se articulam muitas vezes pela extrema crueldade? Esta questão tem sido colocada em diversos momentos da nossa história, seja pela criação de organizações contra-terroristas como as GAL, que nasceram nas sombras do estado espanhol para combater a ETA, ou todas as alarvidades desumanas que os EUA e aliados cometeram na guerra contra o terrorismo no pós 11 de setembro, onde Guantanamo foi o maior exemplo do contorno à lei e moral.

Esta parece também ser a demanda do realizador Thierry de Peretti em “Enquête sur un Scandale d’Etat”, um thriller procedimental que começa em 2015 quando a alfândega francesa apreende sete toneladas de cannabis no coração da capital. Nesse mesmo dia, um ex-infiltrado de drogas com um passado sulfuroso, Hubert Antoine (interpretado pelo carismático Roschdy Zem), entra em contacto com Stéphane Vilner (Pio Marmai), um jovem jornalista do Liberation. Hubert afirma ser capaz de demonstrar a existência de tráfico estatal liderado por Jacques Billard (Vincent Lindon), responsável da brigada do narcotráfico e oficial graduado da polícia francesa.

Com o cinema de Taiwan na cabeça e exemplos modernos de investigação ao combate às drogas (o realizador citou-nos “The Wire” em entrevista), Peretti leva-nos numa viagem que evoca igualmente o cinema de suspense de Costa-Gravas e o de investigação nas sombras de Alan J. Pakula (particularmente “Os Homens do Presidente”), levando-nos aos recessos mais sombrios da República Francesa e onde a questão dos limites do estado no combate ao crime (seja de que ordem for) estão em cima da mesa.

Os exigentes de ação frenética não podem esperar isso por aqui, mas sim um diálogo permanente sobre procedimentos policiais, legais e jornalísticos, com o trio de atores a mostrar competência e capacidade para agarrar o espectador do início ao fim, sem que para isso exista um clímax espampanante e até esclarecedor. Pelo contrário, a Thierry de Peretti – em estreia no género – não falta o sentido de ambiguidade, sempre movendo-se num jogo de crença e descrença plasticamente adornado de forma subtil mas vincada pela direção de fotografia de Claire Mathon, uma habitué do cinema de Céline Sciamma (Petit Maman; Retrato da Rapariga em Chamas).

No final somos presenteados com um exercício cinematográfico competente, uma obra que não fica nada atrás de outras que entram pelo mundo das drogas pelo lado da lei, onde não é escândalo nenhum também mencionar “Os Incorruptíveis Contra a Droga” de William Friedkin como “farinha do mesmo saco“.

Pontuação Geral
Jorge Pereira
enquete-sur-un-scandale-detat-thriller-gaules-questiona-os-limites-do-estadoUm exercício cinematográfico competente, uma obra que não fica nada atrás de outras que entram pelo mundo das drogas pelo lado da lei