É a história de um jornalista – no início do jornalismo. Tem vinte anos, chama-se Lucien, é um idealista, poeta que se aborrece na província. Ele é amado e protegido por uma mulher, uma espécie de Madame de Bovary, que ama a literatura. Ele decide ir a Paris e quando chega lá descobre aquilo que vai ser o século XX: uma civilização que se vende à lei do lucro. O seu trajeto vai ser o de uma aprendizagem bastante brutal da vida, perdendo-se nessa sociedade. (…) O Marx adorava Balzac. No ‘Ilusões Perdidas’ nós vemos o nascimento do mundo em que vivemos hoje, onde o lucro comanda tudo, onde tudo se vende. (…) É a história de um jovem mas ao mesmo tempo abraça um movimento civilizacional”.

Faz agora três anos que o cineasta francês Xavier Giannoli nos descreveu o filme que se preparava para adaptar, “Ilusões Perdidas”, o clássico de Honoré Balzac da série “La Comedie Humaine“, que agora chega aos cinemas com um distinto requinte visual, mesmo que o cineasta não se aventure muito numa qualquer tentativa de transgressão estética ou narrativa, preferindo sempre o sentido clássico das peças de época, que acima de tudo detém em si uma forma cínica e assertiva de ver o mundo.

Benjamim Voisin, que brilhara em “Verão de 85” de François Ozon, é Lucien, um jovem de ambições literárias, especialmente poéticas, que abandona a pequena Angoulême e parte para Paris depois de assumir uma relação adúltera com uma baronesa que o acolhe inicialmente como protegido. A ilusão de se tornar um nome respeitado em Paris, como o era na sua pequena localidade, pelo menos na qualidade da escrita, esbarra com uma capital francesa regada a influências e grupos de poder (burgueses e nobres) que tanto proliferam no lado que continua a defender a realeza, como entre os liberais. E o jornalismo apresentado nestes tempos pioneiros, pelo menos na publicação em que Lucien começa a colaborar, nada tem a ver com a ideia romantizada da verdade e do confronto ao poder; é antes um poder por si só que mexe na política, na economia e principalmente na arte, com os nomes de artistas ou fracassos a serem leiloados pelos jornalistas que recebem retorno por cada crítica positiva ou negativa que fazem.

Claro está que apesar de ser uma peça de época, a obra de Balzac e o filme de Gianolli mostram uma contemporaneidade devastadora, especialmente através de pequenos detalhes que o cineasta nos presenteia, como as comunicações e a expansão das “fake news” através de pombos correios entre França e Inglaterra, ou o início da venda de produtos de consumo nas salas de teatro, também elas cheias de críticos e público contratado para aplaudir ou escorraçar uma peça.

Por isso, “Ilusões Perdidas” é acima de tudo um filme que ultrapassa séculos e séculos de enterro de ideologias em nome de apenas um deus: o dinheiro (que traz poder), a base do sistema capitalista, mostrando igualmente quão fácil é manipular o público, a sua opinião, e extrair daí dividendos que acentuam as clivagens nas relações de poder (os ricos mais ricos, os pobres mais pobres).

Uma nota para o elenco de luxo do filme em que brilham, além de Voisin, Vincent Lacoste, Xavier Dolan, Cécile de France e Gerard Depardieu; e para a aparente excessiva duração (2h30), na verdade não se sente – dado o ritmo e capacidade do cineasta em manter o espectador agarrado a todos os tópicos (amor, corrupção, conflitos de poder, maniqueísmo, etc.) que Gianolli e Balzac se propuseram tocar. 

[Crítica originalmente escrita em setembro de 2021]

Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
ilusoes-perdidas-retrato-do-ontem-fotocopia-do-hojeApesar de ser uma peça de época, a obra de Balzac e o filme de Gianolli mostram uma contemporaneidade devastadora.