Antigo crítico de cinema, escritor de sucesso com várias publicações (Limonov, Pesadelo na Neve, Bravoure e Le Royaume), Emmanuell Carrère teve como primeira obra para cinema “Retour à Kotelnitch” (2003), projeto que misturava a história russa e a pessoal. Depois dessa estreia, que decorreu no Festival de Veneza, o cineasta adaptou o seu próprio romance, “La Mustache/Amor Suspeito” (apresentado na Quinzena dos Realizadores), com Vincent Lindon e Emmanuelle Devos no elenco. 

Ouistreham” surge agora novamente na Quinzena, como filme de abertura, um projeto de ficção com Juliette Binoche em excelente forma no papel de uma escritora que se infiltra num grupo de trabalhadoras das limpezas para reunir documentação e testemunhos sobre as dificuldades dessa vida na região de Caen.

Baseado no trabalho documental da jornalista Florence Aubenas, Carrère coloca Binoche juntamente com um grupo de não atrizes a fazerem de si mesmas, fazendo lembrar – dada a proximidade temporal com o lançamento – “Nomadland“. Mas as semelhanças ficam por aí porque Carrère joga com temas caros ao cinema e à literatura francesa, com questões de luta de classes orientadas para um universo  (principalmente, mas não só) feminino forçado a ter de lidar com trabalho precário e situações familiares também elas frágeis.

Na verdade, na capa que assume de escritora em busca de senso da realidade das trabalhadoras precárias, Binoche diz ser uma mulher que após mais de 20 anos de casamento foi trocada pelo marido. Com um curso de direito, mas sem qualquer experiência laboral há duas décadas, ela finge ser um pouco uma forma da sua personagem no recente “A Boa Esposa“, onde tem de aprender a lidar sozinha com um negócio, uma escola de boas maneiras para preparar mulheres para o casamento.

Binoche incorpora na perfeição este papel, jogando todas as cartadas nos vários campos da interpretação, em particular na expressividade, carregada de empatia, mas também um sentimento de culpa por estar apenas a desempenhar um papel que para outras é o seu dia a dia. Será com duas dessas mulheres que ela vai criar maior empatia, duas colegas de trabalho na limpeza do ferry que faz a viagem entre França e o Reino Unido.

Carrère não é Stephane Brisé na incisão e pontua o seu trabalho de uma forma mais comercial e acessível a todo o público. Ainda assim, e tal com Aki Kaurismaki, Ken Loach ou os Dardenne, consegue efetivamente fazer um trabalho incisivo de realismo social, e sem nunca soar militante, mas também nunca superficial.

Pontuação Geral
Jorge Pereira Rosa
Rodrigo Fonseca
le-quai-de-ouistrehamUm trabalho incisivo de realismo social, que nunca soa militante, mas também nunca superficial.