Parceiro de Werner Herzog na produção de “Meu Filho, Olha o que Fizeste!” (2009) e produtor de “Amor Polar” (2014), com Zoe Saldana e Mark Ruffalo, o nova-iorquino Austin Stark tem no seu currículo um histórico de longas-metragens centrados na perceção da instabilidade, seja mental, afetiva ou mesmo institucional.

Depois de um par de curtas, ele migrou para um projeto de 1h30 com Nicolas Cage, o eficiente “The Runner – Factor de Risco”, de 2015, falando do que há instável na rotina de um político ligado à guerra do petróleo. Foi uma investida de risco, que merece aplauso, pelo seu interesse em assuntos que transcendem pelas vias do incómodo. E tal trilha, ali esboçada, ganha mais força em “The God Committee”, que o leva ao cardápio cheio de iguarias do Festival de Tribeca 2021.

Embora seja um exercício narrativo realista um bocado conservador na sua forma, o seu exercício mais recente de direção apoia-se em personagens de essência tridimensional, repletos de complexidade. E há um trabalho de montagem que dá um ritmo de thriller a um drama hospitalar capaz de surpreender o mais fiel fã de “E.R.”, “House”, “Sob Pressão” e séries médicas afins.

Três promessas do audiovisual da década de 1990 cujas carreiras – em diferentes medidas – se desenvolveram fora dos padrões do mercado dão um sopro de angústia – e de potência – a um conto moral sobre a solidariedade, baseado em peça teatral de Mark St. Germain. O tal trio é formado por Julia Stiles (de “10 Coisas Que Eu Odeio Em Ti”), num regresso ao ecrã luminoso; Janeane Garofalo (de “Toda a Verdade Sobre Cães e Gatos”); e Kelsey Grammer, astro rei da série “Frasier”, que não buscou, nos cinemas, a mesma consagração que alcançou na TV. A sinergia entre eles dá ao filme de Stark uma aura de nostalgia quase melancólica que acaba por ser salutar ao projeto crítico proposto por seu realizador.

Nas franjas do melodrama, a trama cartografa os conflitos de uma junta formada por médicos (Julia, Kelsey e Peter Kim), uma administradora (Janeane) e um padre (Colman Domingo, que esbanja carisma em cena) para decidir quem deve receber um coração em uma fila de transplantes de órgão. Vemos detalhes da vida íntima dos pacientes, vemos manipulações feitas no âmbito político da indústria da saúde, com figuras poderosas tentando influir nos rumos da doação, e vemos o lado B dos protagonistas, sobre o do Dr. Boxer, esculpido por Grammer para além das armadilhas do maniqueísmo. É uma figura prepotente – bem próxima do Dr. House da TV – mas com fragilidades e encantos. A sua conexão afetiva com a Dra. Jordan (papel no qual Stiles depura um talento há tempos adormecido) desvela sua humanidade e dá ao longa uma dimensão de folhetim com todos os (bons) meandros do género.

Burocrática, a fotografia de Matt Sakatani Roe engessa um pouco a frescura da abordagem de Austin para o ritmo frenético das médicas e dos médicos que retrata. Mas esse engessamento não atinge a febril edição, feita por Alan Canant.

Pontuação Geral
Rodrigo Fonseca
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