Assinado por Isael Maxakali e Sueli Maxakali, responsáveis por “YamiYhex: As Mulheres-Espírito“ (2019, que registava as tradições e crenças das Yãmĩyhex (Mulheres-Espírito), além de Carolina Canguçu e Roberto Romero,  “Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa” expõe, em termos históricos r na atualidade, a forma como os “homens brancos” têm usado a violência, assassinatos e o roubo de terras de forma sistémica aos Tikmu’un (como eles se autodenominam), povo indígena brasileiro conhecido como Maxakalis.

Roubo de terras, assassinatos sem qualquer consequência judicial e destruição massiva da floresta são tópicos frequentes dos diálogos que as várias figuras desse povo debitam perante uma câmara que os observa e segue por entre paisagens onde as fazendas e as construções dos homens brancos foram afastando-os da sua terra original, um processo iniciado ainda no século XVI, após a chegada dos portugueses, e que continua até hoje, com as decisões governamentais a serem frequentemente tomadas sem a sua participação, e constantes alterações à delimitação do território.

As cores saturadas da fotografia acentuam o tom aguerrido destes homens e mulheres – e enquadram uma natureza ainda reluzente e vívida, mesmo com o óbvio desmatamento/deflorestação – que expelem repetidamente palavras de ira, ecos de uma enorme injustiça, e que não raras vezes entram em diálogo direto com a população não indígena – como numa situação em que uma lâmpada alegadamente roubada por um tal de de Virgílio, que pertence aos Tikmu’un, leva a uma troca de palavras mais acesas; ou quando são confrontados por vaqueiros/capatazes que mostram preocupação quando estes se aproximam das suas terras, muitas delas com cercas preparadas para a eletrocução.

O terreno que desbravamos neste objeto valioso, que vai além do mero retrato etnográfico e vinca-se no território do ativismo, toca ao de leve em algumas das preocupações dentro da estrutura do próprio povo indígena, como uma menção ao alcoolismo (Nheengatu, de José Barahona desenvolve muito bem o tema, Rio Amazonas acima) e a sistemática pressão do “homem branco” em conquistar mais terras (A Última Floresta também falou disso recentemente), mas acima de tudo o grande foco é o próprio documentário em si como um ato de resistência, não diferente aos atos e palavras de Davi Kopenawa Yanomami mostrava no filme de Luiz Bolognesi.

E o espectador não escapa mesmo à incredulidade quando todos estes homens e mulheres nos mostram as marcas capitalistas de apropriação cultural e exploração do exotismo para negócios ligados ao turismo e lazer, ainda por cima com imagens de nativos dos EUA e erros ortográficos.

No final, e apesar de ser um documentário que certamente não fará mossa individualmente no comportamento do governo brasileiro,“Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa” tem definitivamente o poder de um soldado (que os Tikmu’un dizem nunca ter tido) que se junta a um batalhão para manter em cima da mesa a discussão sobre os povos indígenas no Brasil e a constante pressão a que estão submetidos, seja dos garimpeiros, seja dos fazendeiros. E consegue isso através do olhar e das palavras dos próprios indígenas perante a sua situação, onde a indignação e a raiva – ainda assim esperançosa que um dia a justiça seja feita – predomina.

(Crítica originalmente escrita durante o Sheffield Doc/Fest)

Pontuação Geral
Jorge Pereira
nuhu-yag-mu-yog-ham-essa-terra-e-nossa“Nũhũ yãg mũ yõg hãm: essa terra é nossa” tem definitivamente o poder de um soldado (que os Tikmu’un dizem nunca ter tido) que se junta a um batalhão para manter em cima da mesa a discussão sobre os povos indígenas no Brasil