Sexta-feira, 26 Abril

As Andorinhas de Cabul aterram nos cinemas: uma conversa com as realizadoras

Inspirado no best-seller de Yasmina Khadra, "As Andorinhas de Cabul" (The Swallows of Kabul) chega aos cinemas a 10 de junho

Proveniente do mesmo estúdio que nos deu algumas das obras de Sylvain Chomet (Belleville Rendez-Vous) e a saga “Ernest & Célestine“, acima de tudo, esta é a experiência de duas mulheres que decidem aventurar-se na direção de um filme animado.

A veterana atriz francesa Zabou Breitman, que se estreou na realização em 2001 com “Se Souvenir des Belles Choses“, une esforços com a animadora Eléa Gobbé-Mévellec para nos levar a uma história de esperança numa cidade dominada pelo radicalismo islâmico. Aconteceu em Cabul, mas poderia acontecer em qualquer outro lugar do planeta. 

Integrado na seleção da Un Certain Regard, o C7nema teve o privilégio de conversar com a dupla de realizadores que se aventuraram no universo da animação para criar uma história de gestos e consequências.

Porque as andorinhas são o prenúncio da Primavera … seja onde for.

Como começou esta aventura?

ZB- Depois de receber o guião e de ler o livro, comecei a reescrever o texto, juntamente com a Eléa [Gbobé Mévellec], que tinha sido escolhida depois da busca que fizemos para encontrar a animadora certa para este projeto. A sua interpretação para esta produção era perfeita e totalmente em contraste com o que eu pretendia. Eu queria contar a história de maneira hiperrealista e a abstração do seu trabalho fez neste caso um “casamento perfeito”.

Tem uma carreira como atriz. O que a fez entrar na realização de animação?

ZB- Também sou encenadora no teatro e atriz e considero sempre importante contar uma história, independentemente da forma que o faço. Sempre adorei animação e quis lidar com o género. Mas esta é uma animação muito peculiar, pois o meu ponto de partida foi a performance de atores reais que selecionei, vesti, e filmei. Eu dirigi-os e em todos os sentidos eles podiam improvisar e errar. Depois, a animação, estas personagens animadas eram baseadas nessas verdadeiras performances. Essa foi a maior dificuldade, especialmente para a Elea. Nós queríamos a sua arte, a sua abstração, mas ela tinha de trabalhar isso a partir destes atores de carne e osso.

Mas essa técnica é tradicional, na linha da rotoscopia?

EGM: Sim, é uma técnica tradicional mas usada no computador. Tudo é desenhado frame a frame e tivemos de escolher, para cada personagem, o desenho. Simultaneamente, no nosso estilo residem rasgos de aquarela. Para cada personagem tivemos de escolher os frames do filme real e ver como os traduzir em desenhos, selecionando os movimentos que eles fariam ou não em cada sequência.

ZB: Uma das preocupações do animador aqui foi não animar muito (risos). Se animasse tudo ia gerar demasiados movimentos. No meu filme, há personagens que não fazem nada; levantam as sobrancelhas, ou fazem uma expressão facial. Isso é o mais difícil para um animador que anima o seu filme dois segundos por dia, em média. E tal como a tua cabeleireira te quer cortar o cabelo a toda a hora, um animador quer animar. (risos)

Antes de ter o guião tinha lido o livro?

ZB: Não, mas conhecia o livro. Era um livro muito famoso, vendeu mais de 700 mil cópias, mas como disse anteriormente, li-o depois de ler o guião. Depois, após a leitura, achamos que podíamos acrescentar coisas e eliminar outras, por isso foi necessário reescrever o argumento. Todo o processo de adaptar uma obra é uma espécie de traição, de certa maneira, pois temos de selecionar elementos que queremos manter e outros que deixamos cair.

E fiquei a saber que fica mais fácil quando nos conhecemos. Para mim, escrever era fácil quando pensava como a Elea e o seu estilo particular traduziria o texto para uma imagem animada. As cores, as texturas da imagem, a forma como ela usa o seu talento como uma porta, uma expressão artística. Por exemplo, o trabalho da Zunaira no filme é completamente diferente do livro. Ela no livro não é uma desenhadora, uma artista gráfica. Isso foi o meu tributo a ela. O facto de a conhecer [Eléa] cada vez melhor ajudou-me a distanciar-me mais e tornou tudo mais fácil na adaptação.

Esta história passa-se em Cabul, mas tem de certa maneira um tom universal, até pelo aumento do radicalismo e das histórias que nos chegam. A frase “O mal triunfa se os bons homens não fizerem nada“, explica contexto do seu filme?

ZB: Essa frase é um pouco sombria, mas talvez. Talvez seja uma boa frase, não sei. Eu tendo a pensar que quando as boas pessoas não fazem nada, poderão mesmo assim expor o seu pensamento filosófico, poético e até desenhar. Mas se a maldade não existisse, eu não teria a capacidade de fazer filmes (risos).

É importante estar sempre vigilante, e como já disse a outros colegas seus, a educação é fundamental. Encontrar o que está mal e corrigir. Ter um papel ativo nessas situações. Mas por outro lado, não podemos esquecer os missionários do passado que tentaram espalhar a palavra de Deus e exterminaram as colheitas e eles mesmo. Eles estavam felizes a plantar o que queria, a viverem nus em savanas ou florestas. E depois, essas pessoas religiosas mataram-nos em nome do bem. O mal não é tanto uma manifestação dos deuses, mas a interpretação dos deuses por parte das pessoas.

Pode nos contar algo sobre o filme que ainda não tenham dito a ninguém? Uma história engraçada, algo curioso?

ZB: Algo que sempre relembrarei no processo de As Andorinhas de Cabul, é o facto do meu pai ter participado nele e de ter falecido antes de terminamos o filme. Quando atualmente olho para os desenhos feitos pela Eléa, [o meu pai] torna-se mais real e vivo que qualquer outra imagem. Mas não encaro esta memória como triste, pelo contrário. Acho muito bonita.

(transcrição da entrevista por Jorge Pereira/ texto originalmente publicado durante a cobertura do Festival de Cannes de 2019)

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