Sábado, 27 Abril

Javier Mariscal e Fernando Trueba clamam por justiça em “Mataram o pianista”: “Tenório Jr. não pode ser apagado da História”

Nomeado ao Goya de Melhor Animação, numa coroação simbólica de um estilo investigativo no uso do desenho no grande ecrã, “They Shot The Piano Player” (“Mataram o Pianistapt/ “Atiraram no Pianistabr) chega às salas portuguesas com outras seis nomeações a prémios no currículo e uma ovação em San Sebastián.

O olhar detetivesco do cineasta Fernando Trueba e do artista gráfico Javier Marical para uma das maiores tragédias (políticas e morais) da Música Popular Brasileira (MPB) foi exibida na abertura do Festival do Rio. Em outubro, ele iniciou a sua carreira comercial pela América do Sul, ganhando o brinde de uma BD que imortaliza a narrativa em quadros cheios de cor. O foco da narrativa é o ás do piano Tenório Jr. (1941-1976). Na viragem dos anos 1970, em Buenos Aires, ele saiu para comprar uma sandes, cigarros & afins e… despareceu, ou… foi sequestrado. É um repórter, interpretado (pela voz) de Jeff Goldblum quem narra o caso.

Não considerava uma opção interessante escolher um cineasta estrangeiro que se interessasse por Tenório Jr. como protagonista, para não soar enfadonho, nem burguês, o que me levou a optar pela figura de um repórter e escritor”, disse Trueba ao C7nema em Donostia, na Espanha. “No princípio, ‘Mataram o Pianista’ ia ter uma coprodução brasileira, mas fomos prejudicados pelo corte às verbas da cultura no governo de Bolsonaro. Acabamos por filmar com o apoio de França e Holanda”. 

Durante a maratona cinéfila do Rio de Janeiro, quem foi ao Brasil para promover a longa-metragem foi Mariscal. Apesar da curta estadia na cidade, o designer e animador valenciano aproveitou a sua passagem em terras cariocas para dançar no palco do cine Odeon, no meio à apresentação da fita que consagra o seu nome como realizador. Trueba já tem um Oscar no currículo, dado em 1993, por “Belle Epoque”. Diante do calor da primavera no Rio de Janeiro, Mariscal deleitou-se e teve a chance de celebrar a beleza arquitetónica do Centro da cidade e aprender infâmias. A mais usada, segundo ele: “O que tem de mais bonito na cidade Niterói é a vista do Rio”. É uma forma que descobriu para fazer piadas com o colega niteroiense Marcello Quintanilha, mestre das BDs, vencedor do troféu Jabuti por “Escuta, Formosa Márcia“, que foi o seu parceiro na realização de “Mataram o Pianista”.

Na animação, o público faz um pacto com o que os desenhos nos mostram”, disse Mariscal ao C7nema, na sede do festival, na Glória, ao comemorar o sucesso de vendas da banda desenhada homónima baseada no filme, que é um sucesso em Espanha. Esse sucesso gerou um paralelo com a BD argentina “El Eternauta”, que se transformou em série, este ano, na Netflix, com Ricardo Darín. O guionista, Héctor Germán Oesterheld, “desapareceu” em 1977. “Estamos em primeiro lugar nas livrarias, o que é um feito, sobretudo por conta da história trágica que resgatamos. Tenório foi sequestrado, torturado, destroçado, assassinado e esquecido. O mínimo que este filme poderia fazer era trazê-lo de volta. Ele não pode ser apagado da História. Foi grande demais na sua arte para isso ocorrer”.

Gigantes da MPB contam as suas versões do desaparecimento, da ausência e do talento de Tenório Jr. em “Mataram o Pianista”, incluindo Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Donato (que nos deixou há pouco tempo). Cada uma dessas celebridades aparece em cena versões animadas, mas com as suas próprias vozes. “Fiquei fascinado com a entrevista do Ferreira Gullar, que traz um relato impressionante”, conta Mariscal, sempre cheio de bom humor. “Cada depoimento carrega uma memória, o que nos exigia uma palete diferente”.

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