Sexta-feira, 10 Maio

Ataque a Paris: Cédric Jimenez regressa com thriller de ação implacável

Conhecido pelo ritmo alucinante que impõe no seu cinema, que vagueia entre a ação e o suspense, o gaulês Cédric Jimenez regressa às salas nacionais com “Ataque a Paris” (Novembre), um thriller implacável que acompanha a ação da polícia nos primeiros cinco dias após os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris.

Famoso por filmes como “A Rede de Crime“, “O Homem do Coração de Ferro” e o polémico “Bac Nord – Marselha Debaixo de Fogo“, Jimenez sentou-se à mesa com o C7nema em Paris e falou do seu mais recente projeto, o qual acaba de chegar às salas nacionais.

Quando conversei com a Alice Winocour sobre o “Memórias de Paris”, que aborda também os atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, ela disse-me que França vive ainda com o trauma desses eventos. Sente isso?

Sim, certamente. Foi há sete anos, ou seja, há pouco tempo. Todos sofremos ainda com isso e todos tínhamos alguém conhecido que esteve presente. Nós vimos as coisas acontecerem no 11 de setembro (2001) em Nova Iorque e depois em Madrid (13 março de 2004), mas temos sempre aquele pensamento que aqui (Paris) não iria acontecer. Nunca estás à espera que isto ocorra na esquina da tua rua e, quando aconteceu em Paris, ficámos em choque. Um choque não apenas pelo que aconteceu, mas porque poderia voltar a acontecer. Todos pensamos no que iria mudar e no racismo que daí também surgiria. Houve pessoas que começaram a temer os árabes e do outro lado surgiram acusações de racismo. Criou-se uma tensão e ela ainda está presente, mesmo que não falemos disso. É um sentimento tipo Guerra Fria. E este é um evento ainda recente.

Por isto tudo era importante fazer este filme. Pegando na geração da minha filha, que tem 20 anos, quando os eventos ocorreram ela tinha 13 anos. Era ainda muito jovem para perceber o que aconteceu. Fazer este tipo de filme é importante, não por qualquer simbolismo, mas para entender o que se passou. 

Sentiu algum tipo de responsabilidade e pressão por fazer um filme sobre este tema?

Claro. Quando falamos numa coisa como esta, não queres fazer algo errado. Tenho muita humildade sobre isto, ou seja, o tópico era maior que a realização do filme em si. No fundo, como realizador estava principalmente ao serviço do tema e não tanto na forma de o realizar. Para um realizador, isto é algo difícil de fazer. Humildade e precisão eram necessárias. É como os filmes de guerra. Podes usar vários ângulos para os fazer, mas tens de os fazer bem e com respeito.

E a polémica em torno do seu último filme (Bac Nord – Marselha Debaixo de Fogo), que foi aproveitado pela extrema-direita para vender a sua agenda, trouxe-lhe também uma pressão extra?

Nas filmagens não, pois filmei o Ataque a Paris” antes do “Bac Nord”, mas depois sim. Pensei sobre o assunto, mas se damos muita importância a estas coisas periféricas não conseguimos fazer mais nada. O “Bac Nord” provocou essa polémica porque vinham aí as eleições presidenciais. Doeu-me bastante existir controvérsia, mas isso não me impediu de continuar o meu percurso.

E como foi o processo de construção do argumento do “Ataque a Paris“? Recebeu-o o guião já pronto para  o realizar ou fez ajustes?

Recebi uma chamada do argumentista a dizer que tinha um guião para mim sobre o 13 de novembro. Disse logo, wow! Não tinha a certeza se queria filmar o tema, mas depois de ler o guião tive de dizer que sim. Na verdade, como disse acima, estive ao serviço do guião. Foi a primeira vez na minha vida que o fiz, pois normalmente escrevo os guiões que filmo. Reescrevi algumas coisas, mas o guião já existia. 

Este era um tópico especial e quando li o guião achei-o muito inteligente. O ângulo de abordagem do filme, os cinco dias depois dos ataques, já lá estavam. E não se mostravam graficamente os atentados. Servi assim o guião e não impus de alguma maneira escrevê-lo de raiz.

Pode explicar a opção de não mostrar graficamente os atentados?

É diferente ser um repórter de guerra, em que captar o que acontece, e reencenar algo assim. Acho que seria obsceno. E na verdade é algo que não precisas mostrar para as pessoas perceberem o que se passou, por exemplo, no Bataclan. Não precisamos mostrar o ato para ter a noção do que aconteceu. 

Jean Dujardin e Sandrine Kiberlain em “Ataque a Paris”

Mas temos o exemplo do massacre de “Utoya”, reencenado, ou do filme da Winocour em que um tiroteio é recriado?

Sim, mas está filmado de uma maneira quase “off”. No fundo, ela tinha de mostrar aquilo porque a personagem principal passava por isso. No meu caso, que filmo os procedimentos policiais após os atentados, não tinha de mostrar os ataques em si.

E na história que mostra, o quanto é real? Quanta investigação foi feita sobre os procedimentos da polícia?

É real. O que vemos é real. Não seria apropriado inventar o que aconteceu. Claro que tudo foi resumido, compactado. Uma personagem condensa duas ou três pessoas, por isso houve uma adaptação dos eventos para encaixar na gramática cinematográfica.

Os seus filmes têm sempre um ritmo impressionante e, em França, o seu estilo de abordar o cinema de ação é muito particular. Tem sempre tudo na sua cabeça no que concerne à ação? Podemos dizer que tem um estilo? Como pensa a ação nos seus filmes?

Não sei explicar. Gosto certamente da intensidade e tensão no cinema. Algo nisto fala comigo em termos de personalidade, sempre numa correria desenfreada. É assim que vejo as coisas. É algo natural, não penso realmente nisso. Penso nos atores, mas na energia dos filmes não. 

A montagem é também muito importante para os seus filmes…

Sem dúvida, mas a forma como abordo as coisas é realmente a minha assinatura. Gasto mais o meu tempo em compor a história e em tornar os meus atores bons, mas não na criação dessa energia. É algo que está em mim. Podemos chamar isso de estilo, sim…

Gosta de elencos bem compostos, como se viu aqui e no “Bac Nord”. Como é a sua relação com eles, ou seja, é bastante preciso para o que quer deles ou dá espaço para eles preencherem as personagens?

Dou bastante espaço. Gosto de construir uma arena, de filmar com muitas câmaras, e gosto de captar a espontaneidade de todos os atores. Os atores têm o texto para ler e executar, mas têm bastante espaço de manobra, de movimentarem-se e até – dentro dos limites – interpretam como querem uma situação. Mas sempre dentro de uma espécie de realismo. Não quero sentir que estão a atuar perante o que escrevi. Não quero a audiência a ver o filme, quero que estejam dentro do filme. E gosto de acidentes. Às vezes são mágicos, outras vezes nem por isso. 

Mas para as personagens interpretadas pela Anais Demoustier e Lyna Khoudri deve ter havido um tratamento especial para conseguir nelas aquela conexão e capturar o drama à medida que os eventos vão ocorrendo?

Claro. Trato todos atores de forma diferenciada. Penso sempre no ser humano que tenho perante mim. Há muitos atores que necessitam atenção, outros direção e alguns até amizade. A minha abordagem, primeiramente, é ao nível da psicologia. Depois, além do ator, existe a personagem. Naturalmente, a Lyna  e a Anais têm algo a construir em conjunto, por isso a forma como falo com elas é diferente daquela que tenho com o Jean Dujardin, que tem mais experiência e interpreta alguém bastante linear. Na verdade, não quero que os atores vejam ou sintam a câmara. Quero que estejam lá sem esse peso. Quero que entrem em cena, tenham prazer e deixem-se perder…

E vai manter o mesmo ritmo alucinante da ação no próximo projeto?

Sim, mas o próximo filme não será baseado em eventos reais. Ao ser puramente ficção, as coisas são automaticamente diferentes. Já estou na fase da escrita, mas não posso falar dele senão o produtor mata-me (risos).

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