Depois de dez anos sem lançar filmes, o mestre surpremo do giallo regressa aos cinemas, fazendo jus a uma carreira que tem em “Suspiria” (1977), “Tenebre” (1982) e “Phenoma” (1985) entre os seus filmes de culto de maior sucesso popular. “O horror é o espelho invertido da personalidade de quem o faz, na moderna política dos autores do cinema”, disse Argento por telefone ao C7nema.
Ambientado em Roma, “Occhiali Neri/Dark Glasses” (Óculos Escurospt) adota como “monstro” um assassino em série que estrangulou três prostitutas com uma corda de violoncelo. A última corda dele é destinada a Diana (Ilenia Pastorelli), uma acompanhante de luxo que frequenta os hotéis da Via Veneto. Numa noite, o maníaco persegue-a até que ela bate com o carro. Ela acorda num hospital, envolta na escuridão. O diagnóstico é definitivo: ela perdeu a visão durante o acidente. Rita (Asia Argento), uma voluntária da Sociedade dos Cegos, ajuda Diana com os seus primeiros passos na escuridão e na sua nova vida. Enquanto isso, a polícia investiga, sem sucesso, o caso do psicopata que perseguiu a jovem. Mas o violoncelista quer terminar o seu trabalho. Com a ajuda de um órfão chinês, Chin (Andrea Zhang), Diana vai tentar escapar, mas acaba presa num jogo do gato e do rato estruturado com a forma artesanal que fez de Argento um dos realizadores mais admirados da contemporaneidade.
Na entrevista a seguir, ele dá detalhes da filmagem ao C7 e fala de sua experiência como ator em “Vórtex”, de Gaspar Nóe.
Como foi a operação de voltar a filmar depois de um hiato de dez anos e o quanto a Covid-19 foi um problema para os sets de “Occhiali Neri“?
Quando aconteceu o confinamento em Itália, no início de 2020, estava a preparar-me para rodar. Quando tudo fechou, aproveitei a paralisação das atividades para reescrever o guião e afinar algumas partes. Depois, filmamos como se não houvesse pandemia, mas respeitando os protocolos de segurança. É uma trama ambientada nos dias de hoje, sobre uma jovem que fica cega após um acidente e passa a ser perseguida por um assassino. Asia Argento, a minha filha, entra em cena como uma instrutora de deficientes visuais que treina a personagem principal, Diana, vivida por Ilenia Pastorelli.
A deficiência visual, signo de trevas perpétuas, simboliza o quê para um mestre do terror?
É um simbolismo moral, mas há também um simbolismo sensorial, pela dimensão física da perda da visão.
Aos 81 anos, sem filmar desde “Dracula 3D“, o que o senhor procura com este filme?
Retomar o contato com o público. A minha plateia hoje é uma garotada, de 15 a 25 anos. Existem ainda uns velhos, mas, no geral, é a juventude que me prestigia.
Berlim vai ser a primeira janela de Occhiali Neri. Qual a sua expectativa para essa exibição no festival alemão?
Fui jurado na Berlinale em 2001 e gosto muito do processo de seleção deles, sempre com foco em escolhas modernas e arrojadas. É uma honra ter sido selecionado.
Como foi a experiência de atuar sob a direção de Gaspar Noé em Vórtex?
Foi tudo muito simples, porque com Gaspar tudo era improvisado. Não precisávamos ficar agarrados a um roteiro. Foi uma honra o convite. E foi muito interessante poder improvisar.
Mas cabe improvisação em “Occhiali Neri” e nos seus outros filmes?
Não! Não abro espaços para improvisos. Sigo o roteiro leoninamente.
Qual é a sua relação com o streaming? O que vê na Amazon e na Netflix?
Não vejo. Acho que os streamings caminharam para uma direção comercial demais e isso não me interessa.
Algo ainda desperta o seu interesse no audiovisual hoje?
O cinema oriental, principalmente o sul-coreano e o japonês. E o cinema latino-americano. Há muitos bons filmes do México. E também da Argentina e do Brasil, terra da minha mãe.
O quanto ela aproximou o senhor da realidade brasileira?
A minha mãe, Elda Luxardo, era de Porto Alegre (capital do Rio Grande do Sul) e foi uma grande fotógrafa. Ela circulou pelo Rio de Janeiro, por São Paulo e pela Bahia e fotografou grandes celebridades, tendo sido respeitada até na Europa. Tenho muito respeito e carinho pela terra dela e estive lá em 2011 para uma retrospetiva da minha obra.
Fala com carinho do Brasil, mas e a Itália, como anda?
Cercada de confusão no seu governo. Espero que isto passe.
Mas o cinema italiano ainda tem a grandeza de que desfrutava na sua juventude?
Claro que não. Mas ainda é possível filmar aqui, desde que tenhas um bom guião, pois estamos na União Europeia. Encontramos parceiros nos vizinhos.
“Occhiali Neri” é um giallo. Como o senhor definiria o género que o consagrou?
Um giallo é uma mistura de thriller, fantasia e Freud.
E qual é a dimensão do mal que cabe num giallo “Occhiali Neri“?
O mal é uma força que nos circunda, que nos oprime e que tem muitas faces. Em cada filme ele materializa-se de uma forma. Neste, a maldade tem um rosto. No próximo filme que fizer, irá se manifestar de forma diferente. Esse é o segredo do terror.