Sexta-feira, 26 Abril

Karen: “Alguns críticos têm definido o meu filme como um ‘anti-biopic’”

O filme é exibido no Cinefiesta a 26 de novembro.

Karen Blixen, conhecida entre os amantes dos livros como Isak Dinesen, viveu no Quénia entre 1916 e 1931. Entre um casamento problemático e outro, assumiu as rédeas do negócio de café que ajudou a construir com apoio da família. Ao fim de alguns anos, não daria certo. Com a ruína económica, veio o retorno à sua Dinamarca natal. Baseadas nas memórias da sua vida em África, Dinesen escreveu o livro que a celebrizou, “Out of Africa” (África Minha); duas décadas depois da sua morte, em 1962, teve um famosa adaptação “hollywoodiana” protagonizada por Meryl Streep e realizada por Sydney Pollack.

A realizadora espanhola María Pérez Sanz em larga medida tratou de se demarcar desta versão e, do próprio livro de Dinesen, quase só restaram as personagens de Farah (Arlito) e a sua relação com a sua senhoria (Christina Rosenvinge). O que lhe interessou mais foram as cartas da escritora, o retrato da sua ruína – onde o seu desespero filmado em planos fixos e sem grandes dramatismos contrasta com a figura de Farah, também saída do livro, normalmente filmada em plácidas poses –, surgindo muitas vezes estático, noutras em meditação ou em interação com a natureza.

Desafiando uma abordagem fácil do explosivo tema da presença europeia em Africa, Pérez não passa muito longe do dogmatismo dominante do discurso pós-colonialista, mas pelo menos baralha as contas de uma abordagem simplista de vítimas e vilões: “Karen” mistura género, raça, classe – fala de solidão e afetividade. Por fim, destaque no protagonismo para a presença de Christina Rosenvinge, cantora de referência na cena “rock”/alternativa espanhola – com carreira nos Estados Unidos lançada pelos Sonic Youth…

O C7nema conversou sobre o filme com a realizadora espanhola María Pérez San, a qual se estreia na longa-metragem de ficção.

Em “Out of Africa“, Isak Dinesen gasta muitas páginas com longas descrições da paisagem. As personagens e os seus dramas vão sendo gradualmente inseridos. Esse estilo de narrativa influenciou a abordagem estética do seu filme?

Não influenciou. Karen brinca com a representação cinematográfica e é filmada no pasto da Extremadura (Cáceres), não no Quénia (exceto no final do filme). Portanto, a paisagem africana tem um tratamento diferente: poderíamos dizer que só existe porque essas duas personagens o habitam.

Também reduzimos o romance (Out of Africa) a apenas três personagens (e uma delas aparece apenas por alguns minutos). Karen e Farah (os nossos protagonistas), e a sua relação peculiar, são o centro do filme.

A sua abordagem substitui uma típica narrativa “hollywoodiana”, baseada em acontecimentos muito dramáticos, privilegiando os pequenos detalhes do quotidiano, a relação entre as duas personagens, a subtileza. Acha que a opção por esses dispositivos permitiu que você fosse mais fiel ao espírito de obras como “Out of Africa” do que, por exemplo, a versão de Sydney Pollack?

Alguns críticos definiram este filme como um ‘anti-biopic’. E não narra realmente a vida de Karen Blixen; nem mesmo a sua vida na África, porque nós só lidamos com seus últimos dias, a sua ruína. Mais do que uma história, Karen oferece um retrato. E a minha inspiração mais importante foram as cartas que Karen Blixen escreveu da África, cartas não destinadas à publicação e onde não existe tanto uma idealização da paisagem e de seus habitantes, mas uma permanente angústia e preocupação com os problemas domésticos e econômicos.

Nesse sentido, acho que o filme de Sydney Pollack, do qual eu queria me afastar o máximo possível, bebe do espírito idealizado e romântico de Out of Africa, levando ao extremo, enquanto Karen está mais perto das cartas.

A relação entre os seus dois protagonistas traz uma série de dilemas: género, raça, classe, cultura. Ao mesmo tempo, essas diferenças parecem se dissolver diante da solidão e da necessidade de afeto e das tentativas de superação das diferenças. Concorda?

A relação de Karen e Farah é realmente complexa e profundamente marcada pelo colonialismo. Infelizmente, não podemos saber a versão de Farah e só temos as palavras de Karen para reconstrui-la. De acordo com seus escritos, horas foram gastas falando sobre Deus e o Destino. Ambos poderiam ser personagens das Mil e Uma Noites, ela como uma mulher fora de seu tempo, contando os seus contos góticos ambientados em palácios e castelos, e ele como grande sultão da casa, guardião do decoro.

Porém, para além desse jogo de personagens, trajes e máscaras tão ‘blixenianos’, a realidade assoma imponente: ela é a dona e ele é seu servo. Ambos habitam uma terra que não é sua, mas em posições muito diferentes. Ela quer entendê-lo, mas muitas vezes isso é simplesmente impossível. Eles tinham a mesma idade, podiam ter sido amigos em um tempo distante ou em um conto das Mil e Uma Noites, mas não no início do século XX na África Oriental Britânica.

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