Sexta-feira, 26 Abril

Danielle Arbid: “sei que as feministas não vão ficar muito contentes com o ‘Uma Paixão Simples’“

'Uma Paixão Simples' chega aos cinemas dia 28 de outubro

Com uma sensualidade e carnalidade rara nos tempos que correm e uma estética que vai buscar muito ao cinema erótico dos anos 70 e 90, “Passion Simple” – que fez parte da seleção do Festival de Cannes 2020 e esteve em Toronto e San Sebastián no mesmo –  tem tudo (e ainda mais) para se tornar um fenómeno de audiência como 365 Dni ou até As Cinquenta Sombras de Grey

História de uma paixão assolapada, obsessão e dependência de uma professora universitária por um diplomata russo, “Uma Paixão Simples“ é baseado na autoficção que Annie Ernaux lançou nos anos 90, a qual chegou até à cineasta francesa de origem libanesa através da proposta de um produtor.“ Ele queria que eu filmasse um objeto sensual. Perguntou-me que livro eu queria adaptar, para comprar os direitos, e assim foi”, explicou-nos, acrescentando que inicialmente achava que estávamos perante uma obra inadaptável: “Não existia uma história. É apenas um testemunho extremamente preciso de uma paixão. Como se fosse um relatório empresarial. Foi isso que achei magnífico, pois toda a gente se revê com o que ela conta. É uma história de amor, mas também de sexo dentro da tradição da literatura francesa clássica e anglo-saxónica. Não há muitos livros em que associação orgânica entre paixão e sexo seja tão intrínseca. Havia algo mais neste livro que o amor.”.

Relação adultera movida a sexo, com os corpos de Laetitia Dosch e Sergei Polunin a entrelaçarem-se numa relação tão tóxica como sensual, Arbid mostra nudez frontal feminina e masculina sem qualquer diferença, entregando ainda várias cenas de sexo sensualmente trabalhadas.  Na verdade, grande parte da primeira metade do filme assistimos a tórridas cenas de sexo entre Laetitia Dosch e Sergei Polunin, mas Airbid frisa que essas sequências eram essenciais e que estavam ligadas à paixão: “Muitas vezes o sexo torna-se algo que se dissocia da paixão, como no trabalho de Sade, mas eu não queria nada disso. Tinham de estar ligados. Para mim, sexo e paixão são a mesma coisa.. Não há aqui um ponto de vista moral, eu queria fazer um filme igualitário na expressão da paixão e do sexo”. 

Admitindo que achou o relato biográfico de Annie Ernaux um ato de “coragem”, Airbid diz que este filme é igualmente “uma homenagem” à autora, mas está ciente que esta sua adaptação lhe trará criticas.“Sou feminista, mas sei que as feministas não vão ficar muito contentes com o meu filme”, admite. “Sou completamente independente e não defendo de todo o ponto de vista masculino. O que mais me atraiu no livro é a coragem da Annie Ernaux. Ela teve a coragem de contar que esteve nos limites. Que foi humilhada e que perdeu a sua dignidade. Isso para mim é um enorme ato de coragem. Este filme é também uma homenagem à sua coragem e tenho a certeza que muitas feministas vão ver isso também. Por outro lado,  no princípio filmo também o homem como um objeto sexual, o qual depois se torna uma obsessão. Não creio haver muitos diretores que filmes homens e mulheres de igual forma hoje em dia”. 

À Flor da Pele

Um dos elementos que o espectador vai sentir neste “Uma Paixão Simples” é a opção da cineasta em aproximá-los da pele dos atores, de estar colados a eles: “Adoro filmar essa proximidade.  Um dos filmes que me marcou quando tinha 13 anos foi o ‘Feliz Natal, Mr. Lawrence’ com o David Bowie. Houve outros, antes deste, mas este foi um dos que me fez pensar em seguir a carreira de realizadora.  Vi e revi esse filme vezes sem conta e uma das coisas que mais gostei era o facto da proximidade que é criada em relação aos espectadores, quase como se pudessem tocar nos atores e entrar no filme.  O que fiz é uma aproximação à pintura, à escultura e não certamente ao sexo simples ou pornográfico, que não me inspirou em nada. Queria trazer aquela graça, aquele magnetismo, a beleza do ato, de um momento. Esta não é uma história de amor, é um relato de um momento“.

O Futuro

Quando falamos com a cineasta em 2020 ela tinha planos de refazer um filme de Rainer Werner Fassbinder em árabe, ambientando a ação no Líbano contemporâneo. “É um remake do ‘O Medo Come a Alma‘. Acho que o Fassbinder ia gostar de ver a versão árabe (risos). De certa maneira é uma homenagem minha a atitude punk do Fassbinder. Sei que vou arriscar muito em fazê-lo. Há filmes e livros assim, como o da Annie Ernaux e do Fassbinder, que são tão abertos que podes entrar neles. Não são objetos encerrados. Por exemplo, para mim o Kubrick está fechado. Tem uma obra intocável. Quem sabe se na Índia não adaptam um dia o ‘Uma Paixão Simples”.  Gostaria assim de prestar homenagem a esse filme do Fassbinder e também ao Líbano, que está numa situação muito complicada. É a história de uma mulher mais velha e um homem negro, sudanês. Ambos são modestos, pobres e ainda assim vivem uma história muito bela num momento em que o país vai entrar na sua rota de destruição. (…) Tenho também em mente uma comédia sobre o sexo. Sobre os homens e as mulheres, com um olhar curioso ao #Me Too. Será algo como explicar aos homens como funciona o mundo de hoje. É a história de homens que não compreendem nada e já não sabem atuar nos dias de hoje.

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