Sejam jogadores de futebol inspirados em “sabem bem de quem estou a falar”, a loções de pastel de nata, tamboris cantantes, dildos esculturais, peidos freudianos ou outras brejeirices, Gabriel Abrantes tem rasgado a dita expressão que nunca largamos do “cinema português” com uma azeitice pop inclassificável e incatalogável. 

Nestes quatro contos que agora chegam às salas nacionais, após o sucesso do autor (no sentido completo dessa palavra tão açambarcada pelo cinema) no reino das longas-metragens com o bem sucedido “Diamantino”, Gabriel pesca na ficção científica, documentário, animação e comédia e alimenta os ecrãs com uma coerente incoerência digna de estudos muito além dos que a Fundação Champalimoud executa. 

Veja-se por exemplo “Freud and Friends”, encomenda do Indielisboa em 2015 para uma coisa chamada “Aqui é Lisboa” que – se bem me lembro, pois estive na sessão de estreia mundial – sugou toda a atenção do público na sua apresentação, remetendo para um plano inferior as curtas executadas por Marie Losier, Denis Côté e Dominga Sotomayor. 

Abrantes criou uma ficção científica futurista onde uma neurocientista utiliza o próprio namorado como cobaia para entrar no mundo dos sonhos. Todo este trabalho está imaginado como um falso programa de TV, não faltando mesmo alguns trailers e anúncios falsos pelo meio, a maioria dos quais provocaram as maiores gargalhadas da noite.”, escrevi na época, vangloriando uma persona que já nessa altura se afigurava como uma das maiores promessas nacionais. 

Seguiu-se  “Uma Breve História de Princesa X” (2016), espécie de documentário – sempre com um toque de humor estapafúrdio, mas cerebral – em torno de um escultor (Constantin Brancusi) e da mulher que encomenda um trabalho – uma Marie Bonaparte que fica obcecada em estudar distâncias clito-vaginais com uma valente carga freudiana pelo caminho. E veio depois “Os Humores Artificiais” (2016), que serviria de título para a própria produtora de Abrantes, culminando o ensaio com “As Extraordinárias Desventuras da Menina de Pedra, que não só deu que falar por Cannes como pelo Curtas Vila do Conde numa história de arte, política e estátuas que ganham viva e se libertam no museu do Louvre. 

Todas estas curtas gritam irreverência, não só para a tal expressão quase matarruana da expressão “cinema português”, como se fosse uma entidade em uníssono, mas para o cinema em geral. A verdade é que – no bom sentido – Abrantes revelou realmente ser um cineasta imparável no experimentalismo, na arrogância [também com a ajuda de Daniel Blaufuks em vários trabalhos] criando um charme muito pessoal que atrevo-me a denominar de azeitice pop, mas que no fundo é apenas uma forma do cineasta requisitar, ou se preferirem re-kitsch-ar, elementos muito locais para os alimentar com uma nova imagem pop ultra estilizada. 

Por isso, e com as devidas distâncias, Abrantes, Mandico e outros que tais vão além do típico cliché de representarem qualquer tipo de sangue novo no cinema. Eles são o Cinema na sua expressão mais estrita, turbinados para o culto.