No caso de Elia Suleiman e a sua relação com o seu próprio cinema, é impossível não fugir às comparações (óbvias) com um certo slapstick autoral movido pela câmara e corpo de um Charles Chaplin, Buster Keaton e até mesmo Jacques Tati, uma espécie de diluição da figura num heterónimo plausível em Virgil por entre os cantos e recantos dos seus devaneios. A esse lote, porém, mais palavroso, porque não juntar João César Monteiro nas suas comédias divinas pelo quotidiano da perversão. O palestino Elia Suleiman segue por outra via, uma colheita memorialista que se conjuga numa narrativa cinematográfica. O resto é prosa sob ares politizados, com a sátira no ponto alto do seu tom, mas nunca envergando pelo seu distinto exagero.

Com “It Must Be Heaven” (Paraíso, Provavelmente), centramo-nos, até à data, no seu filme mais frustrado, aquele que parece perder todas as esperanças por qualquer intervenção divina, até porque, segundo Suleiman, num encontro em Cannes, a possibilidade de uma utopia entre os dois estados é a mais longínqua fantasia; uma luta para sonhadores que renega o passado tumultuoso da sua coexistência. Assim, partindo no óbvio que nada pode mudar, resta reencontrar o seu espaço no Mundo. O que resta ao palestino nesta geografia? E é então, que o silêncio ativista de duas décadas rompe perante uma resposta, um “statment” que Suleiman não quer deixar emudecido. Há que dizer a tudo e a todos que é o palestiniano antes que a sua identidade se desvaneça em anexos.

Portanto, em “It Must Be Heaven” somos deixados à geopolítica e com isso à globalização da sua mensagem, partindo para Paris até Nova Iorque, reconhecendo as metrópoles como um novo exotismo. Elia Suleiman filma-se a si próprio perante uma narrativa episódica, nada de igualmente novo na sua filmografia, porém, a sua costura autoral é gradualmente entorpecida perante um jogo de vontade. Saindo de Nazaré com um medo transluzente no seu olhar, deixando para trás os limoeiros que observa da sua varanda, as mulheres beduínas que carregam iogurtes pelo olival a dentro e os sacerdotes enfurecidos perante os rituais interrompidos (desta vez sem intervenção divina), e encarando um “Novo Mundo” com quem sente na pele a (desacreditada) Guerra sem fim (até mesmo o seu recorrente “I put a spell on you” entra na festa como uma recordação agridoce).

Sim, joga-se por um cinema falso-mudo, estático e planificando, como se o biótopo deste Elia Suleiman quisesse estagnar. Todavia, é a sua constante e radical mudança, aliás, metamorfose, que preocupa o realizador-personagem. A sua existência, quer cultural ou identitária, está ameaçada pelo Futuro, por isso, só resta encontrar o Paraíso.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
Guilherme F. Alcobia
paraiso-provavelmente-o-cidadao-do-mundo-e-o-b-i-prescritoElia Suleiman: o herdeiro da comédia da desgraça